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Opinião: ‘O brasileiro merece um Estado melhor’

A criação de uma estrutura pública mais moderna e com serviços mais eficientes só será possível a partir de uma reforma administrativa

Por Antonio Anastasia, Kátia Abreu e Tiago Mitraud*
Atualizado em 4 jun 2024, 13h44 - Publicado em 31 jul 2020, 06h00
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  • Em três décadas sob a égide da Constituição de 1988, o Brasil não tratou com a devida atenção a necessidade de modernização do Estado e de seus sistemas previdenciário e tributário. A Carta foi promulgada como um projeto de nação em que o Estado deveria garantir liberdades individuais e proporcionar condições para uma vida digna a todos os cidadãos. Passamos os anos seguintes enxergando um horizonte de inédita conciliação entre desenvolvimento econômico e melhoria na vida dos brasileiros de todas as camadas sociais. Ignoramos, no entanto, os entraves impostos sobre a economia e a sociedade que nos deixavam distantes do desenvolvimento almejado pelos constituintes e da qualidade de vida experimentada em países que souberam adaptar-se aos tempos atuais. Nutrimos percepções ilusórias que nos distanciaram de uma agenda de reformas estruturais que, embora inevitáveis, não foram enfrentadas. A crise iniciada em 2014 e a dificuldade em retomar a economia, que persiste nos dias atuais, tornam clara a baixa capacidade de resposta do Estado brasileiro aos desafios contemporâneos. Concluímos a terceira década pós-Constituição com o pior crescimento da história. Problemas sociais que pareciam caminhar para um bom termo retornaram com vigor. Pobreza e miséria, em queda por quase vinte anos, agora crescem. A violência ameaça os grandes centros, as cidades do interior e o campo. E, dado esse cenário, a pandemia do novo coronavírus veio para agravar a “tempestade perfeita”.

    A realidade não nos deixa margem para adiar discussões estruturais e o Congresso precisa ter consciência de sua imensa tarefa. A aprovação da reforma da Previdência e o protagonismo assumido na tributária sugerem que o Legislativo não fugirá da necessária agenda de modernização do país. É com essa visão que foi criada a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa. Trata-se de uma reforma que produzirá efeitos muito positivos na vida da população, com a modernização da máquina estatal e, consequentemente, a fundamental melhoria na prestação dos serviços públicos. É imperativo começar esse debate com a brevidade possível, construindo consensos, explorando alternativas e puxando a responsabilidade em relação ao resultado desse processo.

    Esse debate nacional, na visão dos parlamentares da Frente, deve ser estruturado com base em cinco princípios para chegar a uma reforma altamente relevante. Em primeiro lugar, é preciso ter clareza de que não existe bala de prata. Reformar é um verbo mais bem conjugado no gerúndio. Países que tiveram sucesso na gestão pública têm feito desta uma agenda perene. Governo após governo, avaliam e aprimoram pontos específicos. No Brasil, precisamos de uma grande guinada, mas não devemos achar que tudo vai se resolver da noite para o dia e com apenas uma proposta. O segundo princípio, considerando a necessária pluralidade da Frente, é o de que esse não é um debate sobre um Estado menor ou maior, mas sobre um Estado melhor. A iminente necessidade de reforma do Estado brasileiro não pode se reduzir a um embate entre esquerda e direita. Não há um monopólio da virtude por nenhuma ideologia universal. Cada parlamentar tem seu viés político, e por isso a Frente Mista abraça diferentes visões. Há governos de vários espectros mundo afora que têm promovido reformas importantes em seus países. No próprio Brasil, estados governados por partidos de diversas ideologias fizeram avanços notáveis.

    “É preciso ter clareza de que não existe bala de prata. Reformar é um verbo mais bem conjugado no gerúndio”

    Outro ponto de partida vem da ideia de que fazer uma mera redução no quadro do funcionalismo não ajuda, pois a administração pública é profundamente heterogênea em setores, poderes e níveis de governo. É possível, sim, diminuir a quantidade de carreiras do funcionalismo, mas não há uma redução mágica que resolva todos os problemas do Estado. Atualmente, o governo federal tem mais de 600 000 servidores de todas as profissões. São 117 carreiras, com mais de 250 tabelas salariais, muitas sem padrão. Os salários acabam dependendo mais da força política de cada grupo do que de critérios lógicos. Por isso, é preciso ser simples: são necessários critérios objetivos e técnicos para a definição da remuneração dos futuros ingressantes nas carreiras do funcionalismo público. A quarta questão diz respeito ao enfrentamento inicial das agendas nas quais estamos mais atrasados. Muito se fala em critérios de desligamento no serviço público, e esse é um debate em vários países. No Brasil, há, sim, essa grande dificuldade para demitir, mas temos problemas ainda maiores para incentivar, selecionar e desenvolver os bons profissionais. Há países que vetam indicações políticas para cargos de médio e baixo escalão, cuja ocupação é um incentivo a profissionais de carreira. Nesses locais, os servidores são bem remunerados, mas existem padrões salariais para evitar distorções exageradas em relação à iniciativa privada, como acontece hoje com o Brasil. Os concursos públicos possuem mais etapas de seleção, com entrevistas, testes psicológicos e outras ferramentas que aproximam os critérios de avaliação dos reais requisitos para o exercício da função. O quinto princípio trata da nossa dimensão federativa. Estados e municípios são peças-chave na reforma administrativa, e suas realidades devem ser levadas em conta. Em 2018, 89,6% dos profissionais do setor público estavam alocados nas estruturas estaduais e municipais, encarregados dos serviços que mais impactam o dia a dia do brasileiro: educação básica, saúde, segurança, saneamento, serviços de limpeza e outras políticas urbanas. Mesmo assim, discussões sobre reforma administrativa costumam se limitar à realidade da União. Para melhorar a vida do cidadão em aspectos mais amplos, é necessário corrigir o equívoco. Estados e municípios têm de participar dessa construção. Suas demandas devem ser tratadas com a devida prioridade dentro da discussão.

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    É preciso também ter clareza em algumas premissas gerais, que valem tanto para os princípios listados acima quanto para o trabalho da Frente: esse é um diálogo de todos e precisa ser objetivo, pois os custos da falta de ação são altos e crescentes. Crises já produziram transformações grandiosas que mudaram o mundo para melhor. A tragédia da pandemia em um cenário de impasse político e recessão econômica pode criar uma oportunidade e fazer o país encarar as reformas de que tanto necessita. A rapidez é vital para evitar que os abismos instalados se ampliem, e uma mudança tão ambiciosa nos rumos de uma nação só pode ser alcançada quando tornar-se um projeto coletivo, não de uma parcela minoritária ou de um grupo extremado. A criação da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa é um passo potente para construir um Estado que funcione, adaptado ao século XXI. Isto é, que valorize os bons servidores e entregue serviços de qualidade à população. É sobre esse sonho que o Congresso Nacional agora se debruça, com a responsabilidade de aproveitar a chance histórica de abrir o caminho para uma realidade melhor aos brasileiros.

    * Antonio Anastasia (PSD-MG) é senador e vice-presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa (FPMRA); Kátia Abreu (PP-TO) é senadora e vice-presidente da FPMRA; e Tiago Mitraud (Novo-MG) é deputado e presidente da FPMRA

    Publicado em VEJA de 5 de agosto de 2020, edição nº 2698

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