Há muito atormentado pelo crime organizado, enraizado em toda a região metropolitana, o Rio de Janeiro teve sua crise na segurança pública escancarada este ano em sucessivos episódios de abominável violência. Um dos mais tenebrosos ocorreu à mesa de um tranquilo quiosque na orla da Barra da Tijuca, cercado de condomínios de alto padrão. Quatro médicos que visitavam a cidade para participar de um congresso batiam papo quando bandidos saíram de um carro parado na avenida e fuzilaram o grupo. Três morreram e um ficou ferido. O crime, soube-se depois, foi por engano: uma das vítimas, Perseu de Almeida, 33 anos, foi confundida com o miliciano Taillon Barbosa, o real alvo dos tiros (mais do que depressa, a quadrilha puniu o equívoco, executando os executores). Instada a agir, a polícia deflagrou uma de suas ineficientes operações em favelas, na qual mata chefes do crime (e inocentes) que são imediatamente substituídos. Neste caso, houve troco: os milicianos de um certo Bonde do Zinho incendiaram 35 ônibus e um trem, em plena luz dia, alguns com passageiros dentro, que tiveram que correr para as saídas.
Entre trocas na cúpula da segurança promovidas pelo governador Cláudio Castro e sinais de ajuda do governo federal, que despachou a Guarda Nacional para fiscalizar portos, aeroportos e rodovias, a bandidagem segue agindo solta e enxovalhando a imagem do Rio de Janeiro dentro e fora do país. Copacabana, o bairro das calçadas sinuosas celebrado em prosa e verso, registrou de janeiro a outubro mais de 5 000 ocorrências, entre roubos e furtos, segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP-RJ). Dias depois de um fã de Taylor Swift, no Rio para o show da cantora, ser esfaqueado até a morte na orla da praia após ter seus pertences roubados, um cidadão que tentou impedir outro assalto no bairro foi violentamente espancado a chutes e socos por bandidos até desmaiar — tudo captado por câmeras de segurança. Roubos e arrastões levaram moradores de Copacabana a, via grupos de aplicativos, convocar vizinhos a fazer justiça com as próprias mãos — o tipo de atitude que só reproduz a violência, sem resolver nada. Triste Rio de Janeiro, retrato do Brasil.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2023, edição nº 2873