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O que revela a megaoperação contra o garimpo ilegal na Amazônia

Na região, o crime avança apoiado pela população, autoridades locais e indígenas

Por Eduardo Gonçalves, de Jacareacanga
Atualizado em 8 ago 2020, 16h34 - Publicado em 7 ago 2020, 06h00

A missão parte de uma base militar erguida em meio à Floresta Amazônica no sul do Pará. Trata-se de uma verdadeira operação de guerra, planejada há um mês. Ela envolve quatro helicópteros, trinta homens armados e pilotos da Força Aérea Brasileira. Assim que as aeronaves se aproximam do destino, vê-se do alto uma sequência de centenas de garimpos. São quilômetros e quilômetros de rios contaminados, recortados e revirados por maquinário pesado para a retirada de ouro — a principal atividade econômica da população local. “Se a gente parasse para fiscalizar um por um, demoraria meses”, comenta o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que integrava a equipe. Todo o aparato mobilizado na manhã de quarta-feira passada, 5, tinha como objetivo flagrar uma grande atividade ilegal de extração na terra indígena Munduruku, no oeste do Pará.

Acompanhada pela reportagem de VEJA, a missão ajuda a entender a dificuldade do combate diante da proporção que o problema atingiu na região. Para demarcar quem é quem dentro de uma área com tamanha quantidade de garimpos, os donos de cada lote pintam seus nomes em árvores. Os acampamentos contam até com sistema de wi-fi no meio da floresta. Quando aparecem os helicópteros do Ibama no horizonte, centenas de garimpeiros batem em retirada e já avisam por celular os colegas dos campos vizinhos (parecem camelôs de rua com a chegada da guarda municipal). Eles correm para esconder as retroescavadeiras, as bombas de água e os tratores na mata. “A operação é um pesadelo tático, não há visibilidade e o risco é constante”, explica Roberto Cabral, coordenador do grupo de fiscalização do Ibama. O saldo final, no entanto, é satisfatório — mais de 25 retroescavadeiras, tratores e bombas destruídos e incendiados e a apreensão de cadernos com planilhas, dois celulares, uma espingarda e oito tanques de combustível. Um prejuízo avaliado em 10 milhões de reais. Trata-se de um prejuízo expressivo para os criminosos, mas que pode ser facilmente compensado pela retirada de 700 quilos de ouro por mês na área (o equivalente a cerca de 250 milhões de reais), segundo cálculos do Ministério do Meio Ambiente.

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Grande parte deles localizados em terras indígenas, os garimpos ilegais representam outra significativa encrenca na área ambiental para um governo já acossado pela alta do desmatamento na Amazônia. Atendendo a uma antiga promessa de campanha, o presidente apresentou em fevereiro um projeto de lei para legalizar a mineração em terras indígenas, proposta que dificilmente passará pelo Congresso. Jair Bolsonaro também vinha criticando duramente ações do Ibama que terminavam com a inutilização de equipamentos de madeireiros e garimpeiros. A operação recente do Munduruku mostra que há uma disposição clara de recuo no discurso do presidente de que “não é para queimar nada”. “A ordem é ‘inutilizar’ os equipamentos”, afirma Salles. A turma dos garimpeiros, que já chegou a ser recebida em comitiva por cinco ministros em um passado não muito distante, sente-se agora traída. Na volta da ação da última quinta, durante uma parada para abastecimento na cidade de Jacareacanga, na divisa do Pará com Amazonas e Mato Grosso, cinquenta manifestantes apareceram revoltados. “Não foi essa conversa que tivemos em Brasília”, reclamou o garimpeiro e líder indígena Valdemiro Manuário diretamente a Salles.

 

DIFICULDADES - Agentes: a fiscalização é custosa, complexa e perigosa – (Caio Guatelli/VEJA)

Agora, fervilham mensagens nos grupos de WhatsApp com promessas de revide de quem se sente no prejuízo. “Noventa por cento da população sobrevive dos garimpos, inclusive os indígenas. Aqui, garimpeiro não é sinônimo de bandido, é um meio de vida”, diz Everton Sales, secretário do Meio Ambiente de Jacareacanga, no Pará. Informações da Inteligência do Ibama revelam que, para atuar na terra indígena, os caciques cobram uma comissão de 10%. Além das pressões das populações locais para poderem continuar trabalhando na atividade, a justificativa do governo para legalizar essas áreas de extração em terras indígenas é a de que, com CNPJs, em vez de nomes marcados em árvores, os donos dos locais seriam mais facilmente fiscalizados, o que é verdade. Mas a questão é complexa e dificilmente será resolvida com o projeto de lei do governo. Na área do Munduruku, mesmo garimpos legais estão cheios de irregularidades. A região já foi alvo de outras três operações policiais nos últimos oito anos. O diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olimpio Magalhães, espera que o prejuízo repetitivo tenha um “efeito dissuasivo” sobre os infratores. Mas, a julgar pela disposição dos garimpeiros e pelo apoio que recebem de autoridades locais, índios e moradores, eles não devem demorar muito para voltar à atividade que fere a Amazônia e suja a imagem do Brasil perante o mundo.

Publicado em VEJA de 12 de agosto de 2020, edição nº 2699

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