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O que a viúva de Marielle achou do desfecho do crime

A vereadora Monica Benicio falou a VEJA sobre os irmãos Brazão, a participação do ex-chefe de polícia e o que vem pela frente

Por Sofia Cerqueira Atualizado em 8 Maio 2024, 12h00 - Publicado em 29 mar 2024, 13h04

No último domingo, 24 de março, a arquiteta e vereadora Monica Benício (PSOL) acordou com um telefonema que esperava hár exatos 6 anos e dez dias. Desde a morte de sua companheira, a ex-vereadora Marielle Franco, junto com o motorista Anderson Gomes, em março de 2018, em uma rua do Centro do Rio de Janeiro, ela e todo o país ansiavam por respostas. Monica falou a VEJA sobre a sua indignação com a suspeita de participação direta do delegado Rivaldo Barbosa, alçado a chefe da Polícia Civil um dia antes dos assassinatos; o perfil dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão – deputado federal e conselheiro do Tribunal de Contas, respectivamente – e os motivos que teriam levado os dois a tramar a morte da ex-parlamentar e a promiscuidade abominável entre a milícia, a polícia e a política, escancarada no relatório da Polícia Federal (PF). “A luta por Justiça agora é ainda maior”, ressalta.

A NOTÍCIA E A SENSAÇÃO DE UMA PANCADA NA CABEÇA – “Esperei muito pelo momento que aconteceu no último domingo de manhã, quando recebi uma ligação da Polícia Federal. Por seis anos fiquei entregue à luta por Justiça, imersa em muita dor e ao mesmo tempo buscando forças para cobrar respostas e preservar a memória da Marielle. Nesse tempo todo, eu imaginava que as respostas para ‘Quem mandou matar?’ e ‘Por quê?’ me trariam uma espécie de alívio, paz. Mas, na verdade, ainda estou atordoada com tudo que foi revelado. Fui acordada no dia 24 por um agente da PF dizendo, ao telefone, que já estava na rua uma operação para prender os mandantes do crime. Ao ouvir que tinham sido os irmãos Brazão e o Rivaldo, congelei. Perguntei novamente incrédula: ‘É o Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil?’. Ao escutar a confirmação parecia que tinham dado uma forte pancada na cabeça, tudo começou a girar. Não podia ser, passou um filme na minha frente com tudo que havia vivido nos últimos anos. Como quem deveria garantir a segurança, investigar e fazer Justiça estava justamente mancomunado com o outro lado?”

A PARTICIPAÇÃO DO EX-CHEFE DE POLÍCIA NOS ASSASSINATOS – “Dois ou três dias depois dos assassinatos, as famílias da Marielle e do Anderson foram recebidas no gabinete do Rivaldo, que havia acabado de assumir a chefia de Polícia Civil. Ele nos atendeu com muita gentileza e, lembrando agora, com um sorriso excessivo me incomodou a ponto de eu dar uma resposta atravessada. Ele comentou que conhecia há anos a Marielle por conta da sua atuação na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio, ao lado de Marcelo Freixo. E, em seguida, disse que ela era sua amiga. Nesse momento, não aguentei e disse que ‘com todo respeito, os amigos da minha mulher frequentam a nossa casa’. Apesar disso, naquela conversa, ele nos pareceu uma pessoa super comprometida com a sua função. O Rivaldo ainda confortou as famílias dizendo que aquele era um caso prioritário, que era uma questão de honra para a polícia e que não iria sossegar enquanto não resolvesse. Ao saber que os irmãos Brazão encomendaram a morte da Marielle e quem criou todas as condições e viabilizou o crime foi o próprio chefe de polícia me deparei com uma sensação de traição, de absoluto desamparo meu e da sociedade”

O JOGO DUPLO DE RIVALDO BARBOSA – “Hoje tendo as informações de que o próprio ex-chefe de polícia, que nos recebeu com promessas de solução do caso, foi quem planejou, viabilizou e orquestrou os assassinatos, começo a entender muita coisa. O que durante muito tempo não fazia sentido, achava que poderiam ter sido erros da polícia durante a investigação, percebo que tudo foi intencional mesmo. Hoje a gente sabe que partiu dele, inclusive, a orientação para que a ação não acontecesse nas imediações da Câmara Municipal, justamente para não correrem o risco de ter outros agentes de segurança no caso, como a PF, e pudessem controlar tudo. É muito revoltante. Fico me perguntando quantos crimes nesta cidade não ficaram e ficam impunes por conta da atuação de pessoas como esta”

O SUBMUNDO QUE MISTURA POLÍCIA, POLÍTICA E MILÍCIA – “Se por um lado existe uma sensação profunda de traição e revolta com a notícia da participação de um deputado federal, de um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e de um ex-chefe de polícia no crime, por outro isso demonstra que a luta por Justiça nesse país, em especial no Rio, tem que continuar. E que ganhou agora, com estas revelações, contornos ainda muito mais profundos e urgentes. As investigações jogaram luz sobre o submundo, sobre esse esgoto que o estado está mergulhado. A corrupção está entranhada e contamina todas as esferas. A ligação entre a polícia, a política e as milícias é algo que já se falava, já se denunciava, mas agora ficou escancarada”

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OS IRMÃOS CHIQUINHO E DOMINGOS BRAZÃO – “É histórico e sabido no Rio de Janeiro que a família Brazão sempre teve uma relação íntima com o crime em várias perspectivas e esferas. Quem acompanha de perto a estrutura política sabe que eles dominavam grande parte do território da cidade há décadas. Eles já foram alvos de várias investigações, processos. Confesso que a confirmação dos nomes do Chiquinho e do Domingos como os mandantes, segundo o relatório da PF, não me traz surpresas.  O próprio Domingos já admitiu que matou uma pessoa há alguns anos. A grande novidade são os detalhes da motivação do crime, o que fez com que Marielle se tornasse um incômodo e depois o alvo deles”

A MILÍCIA E A MOTIVAÇÃO DO ASSASSINATO – “Durante muito tempo não conseguia entender a motivação da morte de Marielle. Agora as coisas começam a fazer mais sentido. Não é novidade que integrantes da política institucional têm ligação profunda com a milícia, que controla territórios. Quem controla território, controla voto e põe seus representantes dentro da casa legislativa, do executivo, em todas as estruturas. A Marielle tinha um histórico de defesa dos direitos humanos e sua atuação como parlamentar esteve intimamente ligada ao posicionamento do PSOL, que sempre combateu as milícias, as atividades desses grupos. E os integrantes do partido votam de maneira unificada. O relatório de quase quinhentas páginas da PF revela que a posição de Marielle como parlamentar na Câmara do Rio causou grande incômodo ao Chiquinho Brazão na votação de um projeto específico, que era sobre regularização de terras na Zona Oeste. Entendo também que a Marielle pudesse ser vista ainda como uma grande ameaça futura. Ela se mostrou uma figura em ascensão no partido e um fenômeno nas urnas. Nas eleições de 2016 esperava-se que ela tivesse no máximo 15 000 votos, enquanto  foi eleita como 46.502 votos”

A LUTA  CONTINUA – “Os desfechos do caso Marielle escancaram a podridão que o Rio está imerso. Se antes havia alguma dúvida quanto ao tamanho do problema da milícia e da promiscuidade de integrantes do estado democrático de direito, agora eles foram expostos como nunca. As revelações do último dia 24 mostram que o crime organizado não é apenas um estado paralelo, é o próprio estado. A corrupção está entranhada em toda a estrutura do Rio. Mesmo diante das revelações estarrecedoras sobre os mandantes e a motivação da morte da minha mulher, vejo esse momento como algo histórico. Não dá mais para deixar para depois o enfrentamento a isso tudo. A nossa luta por Justiça agora, ouso dizer, continua e é ainda maior”

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