Como o caseiro Francenildo Costa, que delatou estranhas reuniões do ministro Antonio Palocci em uma mansão em Brasília, e o motorista Eriberto França, testemunha decisiva para a queda de Fernando Collor, um porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, no Rio, atualizou a lista de personagens arrancados do anonimato para abalar o alto escalão da República. Em depoimento à Polícia Civil, Alberto Jorge Ferreira Mateus afirmou que, no dia do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018, um dos acusados pelo crime, o ex-policial militar Élcio Queiroz, parou na cancela do conjunto residencial em que ele trabalha e disse que ia à casa do “seu Jair” — no caso, o presidente Jair Bolsonaro, morador do imóvel número 58. O ex-PM ia visitar Ronnie Lessa, outro denunciado pelas mortes, que vive no mesmo condomínio. Menos de 24 horas depois, a versão de Alberto caiu por terra ao se tornar pública a gravação da portaria que mostra ter sido Lessa, e não “seu Jair” — que estava em Brasília na ocasião — quem autorizou a entrada do ex-PM. Diante disso, o porteiro voltou atrás e afirmou que confundiu os números. Quando surgiu a ligação de seu nome ao assassinato de Marielle, Bolsonaro, em meio a compromissos no Oriente Médio, gravou uma live de madrugada para rebater a acusação com um destempero incomum até para quem não tem o equilíbrio como marca. Entre outras coisas, atacou a imprensa e o governador Wilson Witzel, a quem apontou como responsável por vazar o depoimento. Durante a crise, Sergio Moro, a mando de Bolsonaro, extrapolou o papel de ministro da Justiça ao intervir para que a Polícia Federal ouvisse de novo o porteiro. O episódio se juntou a tantos mais que fizeram da busca pelos assassinos uma das operações mais tumultuadas da história, com trocas de investigadores, depoimentos falsos e obstrução de Justiça, entre outros. E até hoje não se sabe quem mandou matar Marielle.
Publicado em VEJA de 1º de janeiro de 2020, edição nº 2667