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O MST no governo Bolsonaro: A agonia longe do poder

Submetido à lei pelo presidente e com menos recursos públicos à disposição, o Movimento sem Terra perde militantes e força de mobilização

Por Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 jan 2020, 09h53 - Publicado em 17 jan 2020, 06h00

Desde a sua criação, em 1984, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) manteve relações bem diferentes com os presidentes da República. O tucano Fernando Henrique Cardoso enfrentou uma onda de invasões, que não poupou nem mesmo uma fazenda dele, e teve de lidar com o desgaste político decorrente do assassinato, em abril de 1996, de dezenove sem-terra pela Polícia Militar do Pará, episódio que ficou conhecido como o massacre de Eldorado do Carajás. Já o petista Lula consolidou a parceria histórica com o MST ao assumir o poder, abrindo os cofres públicos ao movimento e aumentando o número de assentados. Em 2006, no fim do primeiro mandato do petista, 136 000 famílias ganharam lotes de terra, o maior número registrado até hoje. Em troca, o MST assumiu o papel de exército a serviço do PT — um exército que Lula sempre ameaçava acionar quando estava em apuros. Ao contrário dos antecessores, Jair Bolsonaro não enfrenta nenhuma onda de invasões nem conta com um MST domesticado. Com pouco mais de um ano de mandato, o presidente trata os sem-terra com o rigor esperado — o rigor da lei, que inibe ocupações ilegais de propriedades privadas, e o rigor fiscal, que fechou o generoso duto que financiava as ações do movimento, muitas delas criminosas.

Recentemente, Bolsonaro postou no Twitter um levantamento sobre o número de invasões no primeiro ano de mandato dos presidentes. Nos casos de FHC, de Lula e de Dilma Rousseff, teriam ocorrido, em média, 258 invasões; na gestão dele, apenas cinco. “A propriedade privada é sagrada. O Estado tem o dever de preservá-la”, escreveu o capitão. A concentração de terras no Brasil é notória. A luta pela reforma agrária também. A Constituição prevê a desapropriação de terras improdutivas para o assentamento de famílias. A regra é clara, mas o MST preferiu desrespeitá-la. Em anos recentes, o movimento especializou-se em invadir fazendas produtivas e áreas dedicadas à pesquisa científica (fundamental para o desenvolvimento do agronegócio), em destruir o patrimônio de terceiros e em promover ações de cunho meramente político, quase sempre em benefício do PT. Quando enfrentava os petistas nas eleições, o então presidente do Senado Eunício Oliveira teve uma fazenda invadida. O ex-senador sabe que não foi apenas coincidência. Já Lula disse que colocaria o exército do Stedile — numa referência a João Pedro Stedile, chefão do MST — nas ruas para impedir o avanço do processo de impeachment aberto contra Dilma Rousseff. Ou seja: em vez de militar pela reforma agrária dentro dos limites previstos na Constituição, o movimento passou a praticar ações análogas a atos terroristas e a agir como braço político do PT, cooptado pelas verbas públicas que jorravam em suas contas. Romper esse ciclo é uma decisão acertada.

FIM DA MAMATA - Francisca, em assentamento no DF: “O MST perdeu poder” (Cristiano Mariz/VEJA)

“Acabou o MST mandando no governo, acabou o MST mandando no Incra, acabou o MST passando por cima do Estado democrático de direito”, diz Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura e presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR), entidade que reúne grandes produtores rurais do país. “Eles pararam de invadir porque acabou a farra, não tem mais dinheiro para essas ONGs, não tem dinheiro mais para o MST”, acrescenta. O movimento, obviamente, não acabou, mas definha. No ano passado, quando Bolsonaro estreava na Presidência, não houve grandes ações nem mesmo durante o chamado Abril Vermelho, uma mobilização especial que, em gestões anteriores, resultava em invasões de propriedades privadas e de prédios públicos, além de atos em homenagem aos mortos no massacre de Eldorado do Carajás. Também está em franco declínio a base de militantes do MST. No início de 2019, a contabilidade interna do movimento registrava 120  000 famílias nos acampamentos. Hoje, a estimativa é de 80 000. “O MST perdeu poder porque o governo do PT repassava recursos para as associações ligadas ao movimento e dava cestas básicas. Agora, tudo isso acabou”, diz a assentada Francisca das Chagas, que ganhou um lote no Assentamento Canaã, no Distrito Federal, onde cria cabras e peixes e planta verduras. “O pessoal do MST também recuou com medo de levar bala durante as ocupações”, acrescenta Francisca, que foi coordenadora da chamada “frente de massas”, grupo responsável por abrir o caminho das invasões — ou, como se diz no jargão do movimento, por “estourar o cadeado”.

EXÉRCITO VERMELHO - As mobilizações do movimento: frequentes e a favor dos governos do PT, quando sobravam recursos (Evaristo Sá/AFP)

Enfrentando restrições orçamentárias, o governo Bolsonaro reduziu a verba para a reforma agrária. Em 2018, quando Temer ainda era presidente, foram liberados 201 milhões de reais para esse tipo de despesa. Em 2019, já com Bolsonaro no Planalto, foram 26 milhões de reais. A quantidade de assentados, que superou a casa de 100 000 famílias em 2005 e 2006, também diminuirá. Segundo o Incra, serão 4 898 famílias em 2020, ante 5 409 em 2019. Há o entendimento de que a principal carência no setor é o financiamento para a produção, e não a falta de terras propriamente dita. Por isso foi dado fôlego ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Nos seis primeiros meses da safra 2018-2019, foram liberados 15,1 bilhões de reais. No mesmo período da safra 2019-2020, já são 17,1 bilhões de reais. O recado é claro: haverá verba pública para ajudar quem quiser produzir dentro da lei.

Festejados pelos governos do PT, os recordes numéricos de assentamentos turvam as dificuldades enfrentadas pela base do movimento, os sem-terra que não se beneficiaram dos acordos costurados pela cúpula com os antigos inquilinos do poder. É comum a dificuldade dos militantes de conseguir o próprio sustento. A acampada Antônia Lino da Silva conta que sobrevive graças à venda de balinhas e doces em um barraco levantado em frente ao Acampamento Margarida Alvim, onde vive, no Distrito Federal. Antônia também cria nove porcos e dezoito galinhas e planta mandioca. “Não consegui juntar dinheiro nem para comprar a tela do galinheiro”, reclama. E acrescenta: “Os sem-terra estão parados. Uma parte dos companheiros tem medo de levar tiro”. Cumprindo uma promessa de campanha, Bolsonaro autorizou fazendeiros a portar armas dentro de toda a propriedade rural, e não mais apenas na sede do terreno. “Os índices de invasão de terras caíram estrondosamente. A diferença é que o poder público deixou de apoiar as invasões e passou a apoiar a retirada do pessoal que invadiu”, afirma o produtor Orlando Machado Pinto, integrante do Movimento Segurança no Campo, que atua no norte de Minas Gerais. Oficialmente, a direção nacional do MST nega que o movimento esteja perdendo força e avisa que “estão dadas as condições para novas jornadas de luta”. Esse discurso, no entanto, parece não convencer mais a base, que prefere negociar com o governo nos termos da lei. Diz Thiago Evangelista, coordenador do Acampamento Marias da Terra, a 20 quilômetros de Brasília: “O movimento social não está aí para a guerra, não somos terroristas. Somos cidadãos querendo que se cumpra a Constituição e que se faça a reforma agrária”. Melhor assim.

Publicado em VEJA de 22 de janeiro de 2020, edição nº 2670

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