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O mal dentro de casa: a rotina de violência que resultou na morte de Henry

Um mês após a tragédia, a mãe dele e o namorado, o vereador Dr. Jairinho, foram presos. Ele espancava o menino. Ela sabia de tudo e nada fez

Por Marina Lang, Sofia Cerqueira Atualizado em 4 jun 2024, 14h10 - Publicado em 9 abr 2021, 06h00

Foi tudo muito rápido, a caminho da tragédia. Os dois se conheceram em setembro de 2020, em encontro intermediado por um primo dele. Passados apenas quatro meses, Jairo Souza Santos Júnior, o vereador carioca Dr. Jairinho, 43 anos, e a professora Monique Medeiros, 33, foram morar juntos: instalaram-se em janeiro com o filho dela, Henry Borel, 4 anos, em um apartamento na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Um mês depois, Monique havia saído e recebeu mensagens da babá Thayná de Oliveira Ferreira pelo WhatsApp relatando uma sessão de tortura de seu menino por Jairinho, os dois trancados em um quarto. Não foi à polícia, não comentou com ninguém, nada fez. Em 8 de março, menos de um mês depois, Henry chegou morto ao hospital, com graves lesões internas e coberto de hematomas. Na quinta-feira 8 de abril, a Polícia Civil foi à casa de uma tia de Jairinho em Bangu, na Zona Oeste, munida de um pedido de prisão temporária de trinta dias, e lá deteve o casal.

**ATENÇÃO**NÃO REUTILIZAR ESTA IMAGEM, SUJEITO A COBRANÇA POR USO INDEVIDO**FOTO EXCLUSIVA PARA A UTILIZAÇÃO APENAS NA REVISTA VEJA**
FIM DA LINHA - Jairinho e Monique são presos: indícios de plano de fuga – (Vitor Brugger/AM Press & Images/Folhapress; Brenno Carvalho/Agência O Globo)

Elaborado em cima de uma competente investigação da Polícia Civil do Rio, o mandado de prisão da dupla cita tentativas de atrapalhar as investigações e pressionar testemunhas. Na chegada dos agentes, aliás, o casal tentou se livrar de celulares, sem sucesso. Também tinham mochilas prontas, sugerindo planos de fuga. Segundo os policiais, a apuração ainda não está 100% concluída, mas, ao final, Jairinho e Monique devem ser indiciados por homicídio duplamente qualificado e tortura. Nesse caso, podem ser condenados a trinta anos de cadeia. “A Monique que eu conhecia, que a princípio se mostrou uma boa mãe, se tornou uma mulher horrível, tenebrosa”, disse a VEJA, chorando muito, o pai de Henry, o engenheiro Leniel Borel, que foi casado com ela por oito anos.

A partir da recuperação de mensagens apagadas em celulares, da reconstituição da morte do menino, de dois laudos periciais e dos depoimentos de dezoito testemunhas, a polícia foi desvendando a trama de horrores que levou ao crime. Relatos diretos e indiretos sobre a convivência de Jairinho com a ex-mulher e duas ex-namoradas traçaram o retrato de um homem violento e sádico, que sistematicamente agredia crianças pequenas com chutes e pancadas. Versões diferentes dadas pelo casal para a morte de Henry (teria caído da cama, sofrido um mal súbito) foram desmontadas pela autópsia indicando hemorragia interna, laceração hepática e contusões. Antes de o óbito ser declarado, o vereador ainda ligou para um executivo da área da saúde e pediu, com urgência, que o corpo fosse liberado sem exame póstumo. Não conseguiu.

CÚMPLICES - Um casal sempre feliz: restaurantes e hotéis luxuosos -
CÚMPLICES - Um casal sempre feliz: restaurantes e hotéis luxuosos – (./Reprodução)
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No testemunho que resultou no pedido de prisão temporária, a babá no início afirmou que a convivência de pai, mãe e padrasto era harmoniosa. Caiu em nítida contradição — e reafirmou suspeitas de coerção do casal — depois de serem recuperadas as mensagens de celular que trocara com Monique e que haviam sido deletadas. A conversa é clara e assustadora (veja a troca de mensagens). Jairinho se fechara em um quarto com Henry, a TV em alto volume. A mãe estava fora e, a distância, acompanhou toda a movimentação: o tempo que passaram trancados, o estado do menino quando saiu do quarto, os movimentos do vereador e as queixas do garoto. Ao deixar o apartamento, ela avisou que voltaria em seguida. A babá seguiu informando que Henry não queria sair de seu colo, insistia em ficar na cozinha, reclamava de dores. Monique pediu que ela perguntasse ao menino o tinha acontecido. “Me contou que deu uma banda (rasteira) e chutou ele, que toda vez faz isso”, foi a resposta. Também mandou foto de uma ferida no joelho do menino, disse que ele estava mancando e, no banho, havia pedido que não lavasse a cabeça, porque doía. Henry relatou ter sido ameaçado pelo padrasto, que teria lhe avisado: “Se você contar, eu vou te pegar”.

arte Whatsapp Henry

A primeira suspeita da polícia de envolvimento do vereador no crime partiu de queixas de Henry ao pai de que o “tio Jairinho” o maltratava. “A mãe dizia que ele estava inventando. Me martirizo todos os dias por não ter tomado uma atitude mais drástica”, lamenta Borel. Soube-se, depois, como revelou VEJA na semana passada, de outros casos de crueldade dele com crianças pequenas. Da parte dela, a frieza sempre foi vista como comprometedora. O silêncio diante da barbárie veio a confirmar sua participação, por omissão — a polícia não tem (ao menos, por enquanto) evidência de que ela fizesse parte das torturas.

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O drama faz lembrar a noite terrível de março de 2008, em que a pequena Isabella Nardoni, de 5 anos, morreu ao cair da janela do 6º andar de um prédio, em São Paulo. Ao fim de um julgamento que mesmerizou o país, o pai, Alexandre, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, foram julgados culpados de homicídio doloso qualificado e condenados a cerca de trinta anos de prisão. Como explicar a crueldade sem tamanho de um pai ou mãe que tira a vida, por ação ou omissão, do filho indefeso? “É incompreensível que pessoas aparentemente normais exerçam o mal sem qualquer senso de culpa ou vergonha. A monstruosidade é inaceitável dentro da lógica civilizatória, pois é uma expressão da barbárie”, observa a antropóloga Mirian Goldenberg. Tanto no fim de Isabella quanto no de Henry, chama atenção o fato de os responsáveis serem pessoas normalíssimas no dia a dia. Monique deu aulas e chegou à direção de uma escola na Zona Oeste do Rio, onde era querida por alunos e respeitada pelos colegas de trabalho. Jairinho, no quinto mandato, era visto como um político equilibrado e conciliador. À luz das últimas descobertas, essas duas pessoas comuns parecem monstros abomináveis. “Pelas informações disponíveis, eles apresentam algum tipo de loucura. Um potencializa o que o outro tem de pior”, avalia a terapeuta de família Lidia Aratangy.

**ATENÇÃO**NÃO REUTILIZAR ESTA IMAGEM, SUJEITO A COBRANÇA POR USO INDEVIDO**FOTO EXCLUSIVA PARA A UTILIZAÇÃO APENAS NA REVISTA VEJA**
RECONSTITUIÇÃO - Policiais reproduzem as cenas no apartamento, no dia da morte: o casal não apareceu – (Domingos Peixoto/Agência O Globo)

Para Lidia, o vereador passa a impressão de “se sentir invencível, por já ter agredido outros inocentes sem ter sido punido”. Já em Monique, observa uma atração extremada pelo poder e pelos confortos que o companheiro lhe proporcionava. No dia do enterro de Henry, 10 de março, ela esteve em um shopping center comprando camisetas customizadas, de grife, para usar no velório, onde fez uma entrada atrasada e, segundo quem estava lá, do tipo triunfal — de botas de salto alto, reluzente crucifixo de ouro, maquiada e penteada. Sentado sozinho, com mãos trêmulas e alheio aos parentes do menino, Jairinho foi o primeiro a chegar, acompanhado de seguranças, e partiu antes do enterro. Até então, o caso não tinha vindo a público. “Ninguém falou a causa da morte do menino. Foi muito estranho. O irmão pediu para não perguntar nada porque ela estava muito abalada”, diz uma amiga da família. Segundo a polícia, no dia seguinte, Monique foi a um salão de beleza e gastou 240 reais para fazer cabelo, pé e mão. Ela se refugiou na casa dos pais e Jairinho, na de parentes dele, todos no bairro de Bangu. Mas se viram com frequência — passaram a Sex­ta-Feira Santa juntos. Pouco antes da prisão, chegaram a ficar uns dias, só os dois, em uma casa do bairro. A polícia monitorava seus passos e acompanhou a ida do casal para a casa da tia, onde foram presos.

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Depois de o caso vir à tona, Monique, preocupada com a imagem, disparou em um grupo de parentes e amigos no WhatsApp uma mensagem pedindo a todos “um grande favor”: “Preciso que escrevam uma declaração de como eu era com o Henry, pode ser até um momento que passamos juntos, algum dia reunido, qualquer coisa que mostre minha conduta”, escreveu no post ao qual VEJA teve acesso. Também pediu a familiares que viralizassem “vídeos da estratégia do advogado” e os vissem para “possíveis apontamentos de melhorias”. “Achei estranho que, em meio ao drama, ela tivesse cabeça para esse tipo de coisa”, diz um familiar.

MIMOS - Post de Monique exibe a bolsa Louis Vuitton (à esq.) e o prédio onde ela e o namorado moravam: atração por poder e riqueza -
MIMOS - Post de Monique exibe a bolsa Louis Vuitton (à esq.) e o prédio onde ela e o namorado moravam: atração por poder e riqueza – (Reprodução/Reprodução)

Descrita como uma pessoa expansiva, sedutora e envolvente, Monique surpreendeu a todos desde o início pela falta de indignação diante do ocorrido, inclusive ao tomar conhecimento da perícia. “Ela não demonstrou nenhuma surpresa ou desespero”, conta uma amiga. A certa altura, foi às redes sociais não para desabafar, mas para publicar uma foto de copos de café gourmet escoltados por uma bolsa da grife Louis Vuitton sobre a mesa. “Quando vi a postagem do café, pensei: ‘Como assim, ela acabou de perder o filho’ ”, comenta uma pessoa próxima. Sob orientação de seu advogado, o mesmo do vereador, criou um perfil no Instagram com o nome inteiro do filho e postou dezoito fotos dos dois; duramente criticada, apagou tudo. Mas retornou em 6 de abril, com ví­deos do advogado descrevendo um roteiro minucioso da morte de Henry, segundo a versão de Monique e Jairinho. Em outra publicação, uma tristíssima foto mostra Henry segurando “um bonequinho de campanha”, diz a legenda, de Jairinho (que foi expulso do partido, o Solidariedade, e deve ter o caso levado ao Conselho de Ética da Câmara de Vereadores — do qual, aliás, faz parte). A reportagem de VEJA apurou que essa nova rodada de posts teve a orientação profissional de Lemuel Gonçalves, responsável pelas gravações usadas nas redes sociais do ex-prefeito Marcelo Crivella.

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Amigas contam que, aproveitando as longas ausências de trabalho do então marido, Leniel Borel, Monique sempre se encontrou com outros homens. Conheceu Jairinho ainda casada com Borel e, segundo elas, encantou-se imediatamente pelo vereador, “homem educado, poderoso e rico”. Gabou-se à família de que ele tinha vários imóveis na cidade e lhe disse para escolher onde iriam viver juntos. Por sugestão dele, deixou o trabalho em uma escola pública, com salário de 4 000 reais, para assumir o cargo de assessora no Tribunal de Contas do Município, ganhando 16 000 reais. “Ela falou que teria de ir lá pelo menos uma vez por semana para fazer relatórios, mas que Jairinho, por ciúme, contratou uma pessoa para se encarregar do trabalho”, lembra um parente. Seu temperamento possessivo acendeu um alerta no entorno de Monique, conhecida pela vaidade — fez lipoaspiração no abdômen, pôs silicone nos seios e preencheu os lábios. Ela alardeava que ele havia contratado um detetive para segui-­la e mostrava como prova uma foto que ele lhe havia mandado, logo depois de chegar à academia de ginástica, reclamando: “Você acabou indo de shortinho, né?”. O relacionamento rendeu uma profusão de imagens em hotéis e restaurantes de luxo devidamente exibidas nas redes. Agora, com a suspeita de assassinato e tortura de uma criança indefesa, o casal terá uma rotina bem menos glamorosa.

Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733

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