Alçado à condição de herói nacional no auge da Lava-Jato, o ex-juiz Sergio Moro fez um ousado movimento ao deixar a toga para ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Mesmo após uma ruidosa saída do governo e em meio ao declínio da credibilidade da operação anticorrupção, levou o seu nome ao tabuleiro eleitoral e chegou a pontuar em terceiro na pré-corrida presidencial, antes de abandonar a disputa (ou de ser abandonado). Acabou senador, com 1,9 milhão de votos, depois de uma campanha confusa, que envolveu trocas de partidos (Podemos pelo União) e até de domicílio (do Paraná para São Paulo e novamente para o Paraná). Vitorioso, apesar de todos os percalços, chegou ao Congresso sob a desconfiança da classe política e viu alguns de seus companheiros de jornada, como o ex-procurador Deltan Dallagnol e o próprio Bolsonaro, serem abatidos politicamente. Agora é ele quem está sob o fogo cruzado de adversários e ex-aliados e, por ironia, nas mãos da mesma Justiça que o alçou ao estrelato.
Em uma “aliança” para lá de improvável, o PL de Bolsonaro e o PT de Lula se uniram no Paraná para pedir na Justiça Eleitoral a cassação da chapa de Moro por abuso de poder econômico, caixa dois, irregularidades em contratos e uso indevido dos meios de comunicação — infrações que ensejam a perda do registro. Se isso ocorrer, uma nova eleição terá de ser realizada. Embora o desfecho do caso esteja longe do fim, a expectativa de uma cadeira vaga no Senado já mobiliza uma legião de rivais, em uma espécie de pré-campanha aberta no Paraná. Só no PT há três postulantes: a presidente nacional da legenda, Gleisi Hoffmann, o ex-governador Roberto Requião e o deputado Zeca Dirceu. Também se movimentam o ex-senador Alvaro Dias (Podemos) — que já foi senador por quatro mandatos e foi derrotado por Moro —, o ex-ministro Ricardo Barros (PP) e o ex-deputado Paulo Eduardo Martins (PL), que ficou em segundo na eleição de 2022.
O risco que Moro corre é real. Os processos do PL e do PT foram unificados pelo Tribunal Regional Eleitoral e estão na fase de colheita de provas e de arrolamento de testemunhas. Uma das acusações é a de que Moro extrapolou o teto de gastos porque usou a sua posição como presidenciável (chegou a fazer pré-campanha) como um estratagema para migrar para uma disputa mais fácil, “ferindo a igualdade de condições entre os concorrentes ao cargo”. Somados, os gastos dele chegaram a 6,7 milhões de reais, sendo que o teto para o Senado é de 4,4 milhões de reais. A ação do PL também pede a investigação de contratos que considera de “cunho eleitoral” firmados por Moro com o escritório de advocacia de seu suplente, Luis Felipe Cunha, de 1 milhão de reais. O desfecho pode ser parecido com o da ex-senadora Selma Arruda (Podemos-MT), uma ex-juíza conhecida como ‘Moro de saias’, cassada por abuso de poder econômico e uso ilegal de dinheiro do seu suplente em 2018, crimes que agora assombram Moro.
A pré-campanha fora de hora no Paraná já chegou até ao entorno do presidente Lula. Há pouco mais de uma semana, a primeira-dama, Janja da Silva — que é do Paraná —, chamou Gleisi em um post nas redes sociais de “futura senadora”, um gesto que irritou Moro. Ex-senadora, Gleisi é uma das pessoas mais poderosas do PT e não deve ter dificuldades para confirmar o seu nome, mesmo tendo concorrência interna no estado. “Não queremos ter prévias e vamos fazer de tudo pra que isso seja feito em consenso”, diz o deputado estadual Arilson Chiorato, presidente do PT paranaense e ex-assessor de Gleisi em Brasília.
No campo bolsonarista, o principal competidor é Paulo Eduardo Martins. Por ter ficado logo atrás de Moro, ele herdaria a vaga até que uma nova eleição ocorresse, como em Mato Grosso, quando Carlos Fávaro, hoje ministro da Agricultura, assumiu de forma interina até vencer a eleição suplementar em 2022. “Seria natural a minha candidatura. Não tem como eu estar no mandato e dizer que não vou concorrer”, diz Martins. Isolado politicamente desde a derrocada da Lava-Jato, Moro confia na Justiça e disse a VEJA que as acusações são baseadas em “fantasias e especulações sem provas”. Ele acusa dirigentes do Podemos de tentativa de vingança por ele ter deixado a sigla — um dos advogados do PL atuou em ações do seu ex-partido. “Eu já era conhecido pelo meu trabalho como juiz e ministro e não precisaria de uma falsa pré-candidatura presidencial para ganhar notoriedade no Paraná”, afirma. E criticou a postura do petismo. “O PT, pelo jeito, só acredita nas eleições e na democracia quando seu candidato é vencedor. Querer cassar levianamente o mandato de um senador oposicionista representa um perigoso precedente autoritário”, reclama.
A confusão envolvendo Moro mostra que, depois de todos os reveses que a operação sofreu, a Lava-Jato continua sob ataque cerrado. A queda do principal nome da maior ofensiva anticorrupção da história do país seria o capítulo final de uma saga, que já teve a improvável reabilitação política de Lula e a ascensão de seu advogado, Cristiano Zanin, a ministro do STF. Se a derrota de Moro ainda gerar uma vaga de senador para o PT, seria a confirmação final do ditado de que, no Brasil, até o passado é incerto.
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849