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Mariana, cinco anos depois: a tragédia prolongada

Cidade em Minas Gerais tem vítimas à espera de moradias, meio ambiente prejudicado e ninguém responsabilizado

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h31 - Publicado em 6 nov 2020, 06h00
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  • Demorou trinta minutos para a barragem de Fundão se romper e soterrar com lama a centenária vila de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), deixando um rastro de dezenove mortos e mais de 300 famílias desabrigadas, além de jogar 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos no Rio Doce, o que provocou o maior desastre ambiental da história do país. No entanto, cinco anos, completados na quinta 5, ainda não foram suficientes para concluir o maior símbolo da compensação às vítimas pela mineradora Samarco, uma empresa das companhias Vale (brasileira) e BHP (anglo-australiana): a construção de outro vilarejo para quem perdeu tudo. Pelo contrário, a ação se tornou a principal marca do atraso na busca de um desfecho para o episódio. O cenário ainda é de desolação nas duas vilas, a antiga e a nova, que ficam a 11 quilômetros de distância uma da outra, cercadas por áreas de mineração.

    Fundado em 1697 pelo cabo Bento Rodrigues, que percorria Minas à procura de ouro, o povoado original é hoje um território arrasado de escombros de casas, escolas e igrejas — a lama se sedimentou e foi coberta pelo mato, e o riacho se transformou numa grande represa que submergiu terrenos, áreas de pasto e um cemitério. A não ser por cavalos, a vila continua desabitada, mas o cemitério principal, que fica no ponto mais alto, continua recebendo corpos de moradores, conforme indicam as datas nas lápides: 22 morreram à espera de suas casas. “São cinco anos em que estamos vivendo um falso presente e um futuro incerto e cada vez mais distante. O principal receio de todos é falecer sem ver a restituição da moradia”, diz o mecânico Mauro Marcos da Silva, de 51 anos, um dos representantes dos moradores de Bento Rodrigues.

    O temor de Mauro não é despropositado. O prazo para a entrega das casas era o fim de 2018. Depois, mudou para março de 2019. Em seguida, a Justiça definiu agosto de 2020, que foi prorrogado para fevereiro de 2021. Das 250 residências previstas, apenas três foram concluídas, sem estimativa de entrega aos moradores. “Fevereiro não está mais certo. Tivemos uma redução de mais de 70% da mão de obra por causa da pandemia”, diz Luiz Ferraro, um dos diretores da Fundação Renova, formada pelas mineradoras para gerenciar o pagamento das indenizações.

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    LONGA ESPERA - Mauro Marcos da Silva: a moradia prometida não chegou – (Alexandre Rezende/Nitro)

    Além do atraso, a entidade virou alvo de críticas pelo custo do empreendimento. A Nova Bento é hoje um canteiro de obras que ganhou o apelido de “Alphabento”, em referência aos condomínios luxuosos de Alpha­ville, na Grande São Paulo. Cálculos do governo estadual mostram que o metro quadrado chegou a 15 000 reais, o mesmo valor de bairros ricos de São Paulo. “São as casas mais caras do país, sem serem de luxo”, diz o governador Romeu Zema (Novo), que aponta gasto excessivo com projetos. “É tanta consultoria que o meio consome mais do que o fim”, afirma. Outros atingidos têm ainda mais motivos para reclamar. Em duas outras vilas, Paracatu de Baixo (150) e Gesteira (37), não há nenhuma casa concluída.

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    O fato é que o modelo adotado em Mariana virou um exemplo do que não fazer em Brumadinho, onde a tragédia humana decorrente de outro episódio envolvendo a Vale, em 2019, foi muito maior (270 mortos), mas os danos econômicos e ambientais, menores. Em setembro, um relatório produzido pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU destacou a “incapacidade” dos responsáveis de “proporcionar uma solução eficaz” às vítimas de Mariana. A grande ironia do caso: a Samarco deve voltar a extrair minério no fim deste ano — ou seja, vai retomar as atividades antes de os desabrigados receberem as novas casas prometidas.

    Além do atraso nas obras, a força-tarefa formada pelo Ministério Público Federal para monitorar as ações produziu um relatório em que afirma que o meio ambiente não foi recuperado. Mais de sessenta cidades de Minas e do Espírito Santo foram prejudicadas pela lama, que se espalhou por 670 quilômetros do Rio Doce. A Fundação Renova afirma que 1 500 nascentes “se encontram em processo de recuperação” e que gastou 10 bilhões de reais em ações de ressarcimento, sendo 2,6 bilhões em indenizações e auxílio a mais de 321 000 pessoas. Na parte criminal, o problema é o mesmo. O MPF denunciou 21 pessoas por homicídio qualificado com dolo eventual. A Justiça, no entanto, retirou essa acusação e só cinco réus agora respondem por crimes de menor gravidade — inundação e desmoronamento seguido de morte. O processo foi paralisado na pandemia, na fase de oitiva de 140 testemunhas de defesa.

    Enquanto as autoridades e as companhias batem cabeça, as famílias de Bento Rodrigues tentam retomar a rotina. Quase todo fim de semana, cerca de trinta ex-moradores se reúnem nas ruínas do antigo vilarejo para confraternizar e tentar reviver as boas lembranças da comunidade enterrada pela lama. Para eles, é como se a tragédia não tivesse fim.

    Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712

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