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Manual do erro

Publicado em VEJA de 20 de março de 2019, edição nº 2626

Por J.R. Guzzo Atualizado em 15 mar 2019, 07h00 - Publicado em 15 mar 2019, 07h00

Uma observação feita com frequência durante os governos de Lula e Dilma Rousseff era a de que nenhum dos dois tinha oposição — uma anomalia de circo, como a mulher barbada e o bezerro de duas cabeças, pois todo regime democrático tem de ter uma oposição, queira-se ou não. Até que foi notada, ao longo desse período, a sombra de um partido que fazia o papel de oposição. Mas era o PSDB, e aí é a mesma coisa que não haver oposição alguma. A principal preocupação dos tucanos era não falar mal de Lula, em nenhuma circunstância; conseguiram o prodígio de jamais aparecer em nenhuma das imensas manifestações de massa que, das ruas para o plenário do Congresso, acabariam levando ao impeachment de Dilma e aos sucessivos infortúnios que reduziram o PT ao seu atual estado de miséria extrema. Se Lula mais o seu sistema de apoio estão indo cada vez mais para o diabo, isso se deve exclusivamente a eles mesmos e aos atos que praticaram. Pois bem: o mundo gira, a vida passa, e onde está, hoje, a oposição real ao governo do presidente Jair Bolsonaro? Também não existe.

Existe, obviamente, uma espantosa gritaria contra tudo o que o governo fez, acha que deve fazer ou está fazendo; é possível que nunca tenha havido na história deste país tanta indignação por parte dos adversários em relação a quaisquer gestos do presidente e de sua equipe, por mais cômicos, banais e irrelevantes que possam ser. Condena-se tudo, quase sem exceção, incluindo-se aquilo que se imagina que estejam pensando. Mais aí é que está: isso não é oposição, ou oposição não é isso. Isso é fumaça de gelo-seco, que ocupa a maior parte do noticiário sobre a vida nacional, os comentários dos influencers e as bulas de excomunhão expedidas pelos especialistas, mas se desmancha sozinha; não sai correndo atrás de ninguém nem machuca quem fica só olhando. A impressão é que o mundo vai acabar daqui a meia hora. Mas a meia hora passa e o mundo não acaba. Resultado: o governo Bolsonaro está morto, mas continua vivo.

“Onde está, hoje, a oposição real ao governo Bolsonaro? Também não existe”

O que há, na verdade, é gente falando mal do governo, por não gostar de nenhuma das posturas que o levaram a ser eleito. Não gostava antes da eleição, continua não gostando agora, e o mais provável é que não venha a gostar nunca. Mas isso é apenas liberdade de pensamento, que acaba vindo a público porque existe liberdade de expressão — e porque essa liberdade se manifesta através de órgãos de comunicação em que Jair Bolsonaro e o seu mundo mental são detestados. Oposição é outra coisa. É o conjunto de forças organizadas, com projetos de governo, programas de ação e disciplina, capazes de levar a população às ruas, e não apenas os próprios “militantes”, vencer votações importantes no Congresso e representar, de verdade, a maioria dos cidadãos que não aprovam o governo. Mais: oposição é algo que tem capacidade de ganhar eleições livres. Tem muito pouco ou nada a ver, portanto, com o bicho que está aí — o PT, os partidos a seu serviço e os blocos que ficam na arquibancada gritando “juiz ladrão” sem mudar nunca o resultado do jogo.

Trata-se de uma questão de ponto de vista, mas também de fatos. O que esperar de uma oposição cujo grande líder está na cadeia, condenado por corrupção em duas instâncias, sem que haja multidões na rua exigindo sua libertação? Como pode funcionar um partido cuja presidência está entregue a uma deputada que desistiu de defender seu cargo de senadora porque ficou com medo de perder uma eleição majoritária? Vale a pena perguntar, também, como pode dar certo uma oposição que não tem nenhum dirigente, um só que seja, com um mínimo de popularidade, influência junto ao público e capacidade de falar para a massa. O PT deposita suas esperanças, hoje, em enredos de escola de samba, em comitês da ONU ou na liderança de um artista de novela de segunda linha. Tem um aproveitamento de 100% na escolha do cavalo que perde: é a favor da ditadura da Venezuela, do imposto sindical ou do desarmamento da polícia, e contra a reforma da Previdência, o pacote anticrime do ministro Sergio Moro e a Lava-Jato. Não tem um programa de governo compreensível para se contrapor ao de Bolsonaro. Seu único candidato para uma eleição nacional é Fernando Haddad. O MST nunca mais invadiu uma fazenda; seus assemelhados nunca mais invadiram um terreno de periferia ou um prédio abandonado. O partido não tem mais o dinheiro da corrupção que recebia das empreiteiras de obras públicas. Está escrevendo, a cada dia, o Manual Completo do Erro.

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O governo, desse jeito, só pode perder de si próprio.

Publicado em VEJA de 20 de março de 2019, edição nº 2626

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