Luís Roberto Barroso: “O mal existe e a gente precisa se proteger”
Presidente do TSE revela preocupação com a tentativa de desacreditar o sistema eleitoral e diz que o voto impresso pode levar a um retrocesso imprevisível
Em entrevista a VEJA, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso, revela estar muito preocupado com a tentativa de desacreditar o sistema eleitoral e diz que o voto impresso pode levar a um retrocesso com consequências imprevisíveis.
O que essa auditoria pretende revelar? Não gosto da palavra auditoria porque pode fazer parecer que estamos em busca de alguma coisa errada. É uma certificação independente. Aqui não tem caixa preta nem segredo. Até porque, se acharem algum problema, a gente quer saber, e não esconder.
O senhor é contra a proposta de acoplar impressoras às urnas eletrônicas? Estou convencido de que o voto impresso vai ser uma fonte de problemas em um sistema que funciona bem. O que eu temo que aconteça? Quem perder vai contestar o resultado e pedir a conferência entre o eletrônico e o impresso. Isso vai virar uma ação judicial questionando o resultado e vai ter um juiz decidindo o resultado das eleições. Tudo de que o país não precisa é judicializar também o resultado das eleições.
Mas questionar o resultado não é um procedimento legítimo? Cinco pessoas mal-intencionadas podem no dia e no momento da votação chegar lá e dizer: “Eu apertei 5 e entrou 15. Quero conferir no impresso”. Tem muita coisa errada no Brasil para você querer mexer no que funciona. Nesse sistema foram eleitos o presidente Fernando Henrique no segundo mandato, o presidente Lula duas vezes, a presidente Dilma duas vezes e o presidente Bolsonaro uma. Alguém acha que esse não foi o resultado das urnas? É levantar suspeita por uma coisa no Brasil em relação à qual não há dúvida.
Se o sistema brasileiro é tão bom, por que nenhuma grande democracia tem a urna eletrônica brasileira? Fui aos EUA como observador das últimas eleições e perguntei a um membro da comissão eleitoral por que não usam um sistema mais moderno. A explicação que mais me impressionou foi que ele disse que nos EUA um porcentual imenso dos que estão no cargo é reeleito e que ninguém quer mexer nesse sistema porque é o sistema que reconduz todo mundo. Na Alemanha, por outro lado, eles têm uma imensa desconfiança histórica de meios eletrônicos para qualquer providência. O tribunal constitucional alemão barrou a tentativa de urna eletrônica. É um preconceito histórico digital não só em relação à urna, mas em relação a tudo.
Como o senhor viu a declaração do presidente Jair Bolsonaro de que, se não houver voto impresso nas próximas eleições, a invasão do Capitólio poderia se repetir aqui? Não temos nada a esconder e nunca aconteceu um episódio de fraude. Acredito no bom senso e na capacidade racional de demonstrar que o sistema eleitoral funciona bem e adequadamente. O mal existe e a gente precisa se proteger, mas não acredito que uma ideia equivocada possa prevalecer entre pessoas de bem e racionais.
A que atribui o projeto político de retomada do voto impresso? Não gosto de atribuir más intenções às pessoas. Atribuo a um equívoco, a uma percepção errada do que realmente acontece.
Publicado em VEJA de 10 de março de 2021, edição nº 2728