Em 25 de janeiro, o rompimento da barragem 1 da mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho (MG), liberou 14 milhões de toneladas de rejeitos de extração de minério de ferro e matou 251 pessoas. Naquela sexta-feira, logo depois da tragédia, o Instituto Inhotim, o maior museu a céu aberto do mundo e que emprega 600 pessoas, fechou as portas. Apesar de estar a 18 quilômetros da área diretamente atingida pela lama, distância razoavelmente segura, 80% do quadro de funcionários morava na região. Entre eles, 41 tinham familiares desaparecidos ou com a morte confirmada. Nove meses depois, os impactos da calamidade na instituição cultural soam definitivos. Reaberto ao público em 9 de fevereiro, depois de breve recesso, Inhotim viu minguar o número de visitantes — de janeiro a agosto deste ano, foram pouco mais de 170 000 brasileiros e estrangeiros, 40% menos do que se esperava numa temporada comum.
Criado em 2006, o espaço rapidamente conquistou reputação internacional. Dedicado ao acervo contemporâneo, reúne pinturas, esculturas, desenhos, fotografias, vídeos e instalações de sessenta artistas de 38 nacionalidades. Atualmente, são 560 trabalhos em exposição. Produzidos desde os anos 1960 até os dias atuais, eles estão dispostos ao ar livre no belíssimo Jardim Botânico ou exibidos em galerias. O título de Jardim Botânico foi concedido em 2010, quando a coleção de flora se tornou expressiva: 4 500 espécies, entre as quais duas famílias se destacam, a de palmeiras, com 1 000 espécies, e a dos imbés, antúrios e copos-de-leite, com mais de 400 tipos.
Ressalve-se que o lodo da Vale acelerou um movimento que já dava sinais de fadiga, com manchas indeléveis. O idealizador do complexo cultural, o mineiro Bernardo de Mello Paz, empresário do ramo da mineração e siderurgia, foi condenado em agosto de 2017 a nove anos de prisão por lavagem de dinheiro — e o museu fazia parte do esquema sujo. Na época, uma reportagem da Bloomberg revelou ainda que a fortuna de Paz fora construída à custa da exploração de trabalho infantil, análogo à escravidão, e da prática de crimes ambientais. No ano passado, para pagar a dívida tributária com o Estado de Minas Gerais (e livrar-se da cadeia, em regime fechado), o empresário transferiu vinte obras para o governo. Entre as peças, havia criações dos brasileiros Adriana Varejão (ex-mulher de Paz), Amílcar de Castro e Cildo Meireles — que continuaram em exibição em Inhotim, mas sob o sistema de comodato. Paz nega todas as irregularidades.
A recente divulgação de um relatório auditado pela consultoria inglesa Ernst&Young traduziu em certezas as impressões passadas pelo cotidiano turbulento de Inhotim, que de 2014 a 2019 viu sumir algo em torno de 40% dos turistas. Os auditores chamaram atenção para a redução das doações recebidas, que em 2017 foram de 8,3 milhões de reais, metade das obtidas no ano anterior. A conclusão: “A incerteza (…) pode levantar dúvida (…) quanto à capacidade de continuidade operacional”. O rompimento da barragem, informa o documento, foi como uma pá de cal, que “afetou e tem afetado diretamente o instituto”.
Há esperança, contudo. Para a diretora executiva do Instituto Inhotim, Renata Bittencourt, o museu não corre o risco de fechar. “A bilheteria responde por cerca de 20% da receita e a complementação financeira poderá ser feita com eventos, vendas nas lojas e convênios”, explicou Renata a VEJA. Segundo ela, Inhotim sobreviverá por ter se tornado um ímã de produção cultural e de interesse de artistas contemporâneos. Dada a grandeza do lugar, afeito ao turismo de altíssima qualidade e à arte do primeiro escalão, seria uma pena vê-lo desaparecer.
Publicado em VEJA de 16 de outubro de 2019, edição nº 2656