Na contramão dos desencontros do governo Lula, Haddad tem viés de alta
O ministro da Fazenda, nomeado sob desconfiança, vê hoje uma avaliação melhor que a de presidente junto ao mercado e avança na agenda econômica
“Não me canso de ressaltar a capacidade de diálogo do ministro Fernando Haddad, sua força de abertura para que essas conversas aconteçam.” A declaração de Arthur Lira (PP-AL), em evento do Lide em Nova York, na terça-feira 9, chamou a atenção por dois motivos. Primeiro, porque foi um raro elogio em meio às muitas críticas, públicas e privadas, que o presidente da Câmara tem feito ao governo e aos seus articuladores, em especial os da área política. Segundo, porque não foi um afago isolado ao titular da Fazenda. Na semana que passou, Haddad recebeu declarações favoráveis do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), dos relatores das prioridades econômicas no Congresso — Aguinaldo Ribeiro (reforma tributária) e Cláudio Cajado (arcabouço fiscal) —, de banqueiros, como Luiz Carlos Trabuco (Bradesco), e de empresários, como Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp, e Luiza Trajano, do Magazine Luiza.
Os elogios mostram que, em meio a um governo perdido em várias frentes, Haddad está em viés de alta e com cacife para avançar na agenda econômica necessária ao país. Enquanto o Palácio do Planalto derrapa feio na articulação política no Congresso, ele conseguiu aplainar com grande parte das lideranças parlamentares o terreno para a aprovação de seu projeto prioritário, o do novo arcabouço fiscal. Ainda que detalhes da fórmula recebam críticas justas, o conceito principal dela já foi bem aceito pela maioria dos deputados e senadores. Em Nova York, Lira disse que vai votar a regra de gastos em maio e que a reforma tributária, outra prioridade de Haddad, terá o mesmo destino antes do recesso do meio do ano.
O bom trânsito dele não se resume ao Congresso. Na selva de interesses pessoais e de vaidades que impera hoje na Esplanada dos Ministérios, Haddad consolidou alianças importantes, sobretudo com o vice Geraldo Alckmin e Simone Tebet, titular da pasta do Planejamento. Em outra frente importante de batalha, tem agido bem como bombeiro em meio aos ataques do Palácio do Planalto e do PT para tentar baixar na marra as taxas de juros. Enquanto Lula, Gleisi e ministros da área política pediam a cabeça de Campos Neto por manter a Selic em 13,75% ao ano, Haddad foi diplomático. “Fiquei bastante preocupado, mas vamos perseverar em harmonizar, perseverar no diálogo com o Banco Central”, disse. No movimento mais recente na direção de tentar reduzir atritos do governo junto ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, o ministro indicou para diretoria de Política Monetária do órgão o homem que é seu braço direito na pasta da Fazenda, Gabriel Galípolo. Para o economista André Perfeito, a situação acaba favorecendo o ministro. “Quanto mais o Campos Neto bate na tecla da permanência do juro alto, mais se torna urgente e necessária a aprovação do arcabouço”, avalia.
A onda positiva vivida pelo ministro contrasta com o início de sua gestão, quando era alvo de sabotagem interna e de desconfiança externa. A sua estreia no cargo foi pouco animadora. O fogo — muitas vezes amigo — foi disparado primeiramente pelo fato de ser um nome pouco desejado para a pasta. Entre petistas, havia a preferência por um expoente mais ligado ao nacional-desenvolvimentismo, como André Lara Resende. Já no mercado financeiro, o ceticismo se dava pela preocupação com a política fiscal que seria conduzida por um nome do PT cujo currículo somava passagens pelo Ministério da Educação e prefeitura de São Paulo, em funções distantes da macroeconomia. A predileção nesse setor girava em torno de nomes como Henrique Meirelles e Persio Arida. Para piorar, de cara, Haddad foi desautorizado por Lula logo no início da gestão, quando o petista decidiu prorrogar a isenção de tributos sobre os combustíveis. O “anúncio” foi feito pela presidente do PT, Gleisi Hoffman, que com Aloizio Mercadante, chefe do BNDES, formava uma espécie de oposição a Haddad na área econômica.
O “patinho feio” da Esplanada foi mostrando aos poucos, no entanto, que é capaz de sobreviver politicamente mesmo em meio a um governo errático. O que permitiu o êxito, avaliam interlocutores, é a capacidade de relacionamento que teve com lideranças do Congresso, do governo e do mercado. Ele também colhe os louros de ter indicado nomes de força para sua equipe. É o caso do secretário especial de Reforma Tributária, Bernard Appy, além de Gabriel Galípolo. “O ministro montou uma boa equipe, que está funcionando bem para formular e dialogar com o Congresso”, diz Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena e ex-secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo.
Tido como arrogante por alguns, que veem nele um certo tom professoral, Haddad tem mostrado outras qualidades além da capacidade de diálogo. Tanto empreendedores quanto parlamentares ressaltam a blindagem que ele tem conferido à pasta contra influências heterodoxas, sobretudo do PT. O próprio Lira destacou na semana que, em meio a toda a turbulência no governo, o arcabouço fiscal é “um texto que já veio equilibrado”. Relator da reforma tributária e líder da maioria, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), interlocutor frequente da equipe econômica, ecoa o que é dito por outros parlamentares, sobretudo diante dos temores iniciais de que Haddad seria subserviente a Lula. “Todos diziam que seria uma coisa, mas está sendo outra”, diz. Outro ponto mencionado é que, por ser político experiente, ele tem facilidade para fazer cara de paisagem, quando necessário. Foi o caso do recuo forçado na decisão de taxar as compras feitas em e-commerces, sobretudo chineses. Desautorizado pelo chefe no assunto, Haddad mudou de assunto rapidamente, assim como não dá um pio a respeito das desastrosas iniciativas de Lula contra as privatizações, sendo que a última delas foi a de tentar rever no STF a desestatização da Eletrobras. No relacionamento com os governadores, o ministro abriu caminho falando algo que soa como poesia aos ouvidos desses chefes de Executivo estadual: um acordo em vista para compensar a perda de receita com a redução da alíquota do ICMS.
O desempenho de Haddad deu a ele um viés de alta no mercado. Pesquisa Quaest feita entre 4 e 8 de maio mostra como a sua avaliação melhorou no setor financeiro, um movimento que não ocorreu com Lula. Feita junto a gestores, analistas e tomadores de decisão de empresas do Rio de Janeiro e São Paulo, a sondagem mostra que tanto o ministro quanto o governo estão longe de agradar à maioria, mas a avaliação positiva de Haddad saltou de 10% em março para 26% agora, enquanto a de seu chefe foi de 0% para 2%. O porcentual dos que avaliam que a política econômica está indo na direção certa subiu de 2% para 10% (veja o quadro).
O que não faltam, porém, são desafios no horizonte. Superadas as questões do novo arcabouço fiscal e da reforma tributária, o governo deverá se concentrar na derrubada da taxa de juros, uma das obsessões de Lula — que tem ganhado o apoio de nomes importantes como Josué Gomes, da Fiesp. A escolha de Galípolo para a diretoria do BC reforça a visão e influência do governo e de Haddad junto ao órgão, mas não será um jogo fácil diante das repetidas amostras de Campos Neto de que a independência do BC é para valer. A ata da última reunião do Copom, aliás, jogou um balde de água fria ao sinalizar que o cenário desejado pela autarquia para dar início à redução da taxa ainda está longe de se desenhar.
Embora a avaliação de Haddad tenha melhorado, há ainda uma certa desconfiança sobre sua capacidade de tocar agendas importantes. “A posição dele, de ministro da Fazenda do governo do PT, é difícil. Há coisas que ele até quer fazer, mas não pode”, diz reservadamente um executivo graduado do mercado financeiro, que acha ainda que a tese do cobertor curto se aplica perfeitamente à movimentação de Galípolo. “Vamos sentir falta, porque ele fazia um bom ‘leva e traz’ entre o PT, o Congresso e a cabeça do Haddad, é um bom articulador”, diz essa mesma fonte. Há também dúvidas sobre como vão se comportar o PT e Lula. Para alguns empresários, só os bons gestos de Haddad não são suficientes para dar conta do desafio de tirar o Brasil da rota do crescimento medíocre. “A interlocução e as sinalizações têm sido boas, mas é muito cedo, ainda não houve resultados concretos”, avalia um executivo graduado da área de papel e celulose.
Não é só o futuro da economia que vai depender, em grande parte, do desempenho de Haddad. Tido como o principal nome para tomar o lugar de Lula em 2026, caso o presidente não dispute a reeleição, o ministro só chegará competitivo se vencer os desafios que estão se impondo. Político experiente, mas que vem de três derrotas eleitorais, Haddad, ao menos por ora, não se envolve em batalhas que considera perdidas, como a das privatizações. Tornar-se um político popular conduzindo uma economia difícil como a do Brasil não é simples: só FHC conseguiu se eleger presidente amparado em seu trabalho como ministro da Fazenda. Ciro Gomes e Henrique Meirelles fracassaram. O começo de Haddad é, de qualquer forma, melhor do que o esperado — resta saber se o voo do ex-patinho feio não é, como se diz no mercado, um voo de galinha.
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2023, edição nº 2841