Estreante na política, o ex-juiz Wilson Witzel deu o que falar em suas quase três semanas como governador do Rio de Janeiro. Inovou ao usar na posse uma faixa no estilo presidencial que mandou fazer especialmente para a ocasião, trajou colete tipo garoto-propaganda de um programa de segurança implantado na Zona Sul carioca e, na segunda 14, aproveitou a visita ao Bope para comandar uma série de flexões à frente da tropa de elite da PM fluminense — flexões são um hábito cultivado em público pelo presidente Jair Bolsonaro, a quem Witzel devota apoio cerrado. Os discursos e planos um tanto mirabolantes do novo governador também rendem — e como. Ex-fuzileiro naval, ele defende a ideia de que a polícia “mire na cabecinha e fogo” contra supostos bandidos que estejam portando fuzil e — inspirado na base militar americana em Cuba que aloja terroristas — sonha com uma Guantánamo brasileira para encarcerar traficantes.
Witzel também trocou cotoveladas na área artística. No domingo 13, mandou cancelar uma performance com mulheres nuas que ocorreria em torno de uma instalação que tratava de tortura na ditadura militar. Para impedir a apresentação, o governo trancou os portões da Casa França-Brasil, palco da exposição. Álvaro Figueiredo, o curador da mostra, diz que tinha autorização por escrito para a performance, mas a Secretaria de Cultura não reconhece a validade do documento. Não houve censura, alega o governo. O que faltou foi “diálogo prévio”. O espetáculo foi encenado no meio da rua.
Com tudo isso, o Rio ainda aguarda ansioso por ações efetivas que ajudem a içar o estado da pior crise de sua história. E é justamente em um dos setores mais imersos em lama, a segurança, que Witzel mais tem derrapado. Apesar da propalada ênfase no combate ao crime, uma de suas primeiras medidas foi anunciar o encerramento das atividades da Secretaria de Segurança, área da qual ele cuidará pessoalmente. Torpedeado por generais que encabeçaram a intervenção federal no estado, o ex-juiz até ensaiou um recuo e criou uma certa Secretaria Executiva do Conselho de Segurança Pública, que, durante seis meses, tocaria a transição para o novo modelo de poderes concentrados em suas mãos. Voltou atrás e deletou o órgão em uma semana. É verdade que Witzel deu às polícias civil e militar status de secretaria, mas será ele o coordenador do combate à bandidagem.
Já na largada, o governador enredou-se em críticas de cunho jurídico ao sair em defesa do “abate” de criminosos armados. Garante estar respaldado pelo artigo do Código Penal que prevê a legítima defesa: ao matar um marginal munido de fuzil, o policial estaria apenas repelindo uma agressão iminente. A interpretação de Witzel vem sendo alvejada por especialistas que sustentam que a violência só se configura no caso de o marginal apontar a arma para alguém. “Não é razoável achar que a posse de um objeto, mesmo de uma arma, representaria iminência de agressão”, pondera o criminalista e ex-governador Nilo Batista, professor titular de direito penal da UFRJ e da Uerj. Segundo Batista, o policial que eliminar o bandido nessas condições poderá ser denunciado pelo “abate” junto com o próprio governador — algo que Witzel refuta com todas as forças.
A polícia vai fazer o correto: mirar na cabecinha e fogo.
Wilson Witzel, governador do Rio
O ex-juiz começou a aparecer quando conseguiu grudar sua imagem à de Bolsonaro (o voto Bolsowitzel pegou) e embalar na onda conservadora. O agora governador não perde uma chance de reforçar seus laços ideológicos com o presidente. Chegou a adiar a cerimônia de transmissão do cargo para prestigiar a posse de Bolsonaro em Brasília. Mas, neófito na política, já arrumou uma crise ao dar sinal verde à candidatura de um petista à presidência da Assembleia Legislativa. Esse afago culminou em rusgas com o PSL, que elegeu treze deputados estaduais, a maior bancada. Muito ligada à família Bolsonaro, a deputada Alana Passos (também do PSL) foi ao Twitter protestar contra o apoio do governador a “esquerdistas”.
Passada a euforia da posse, Witzel ainda precisa compreender que chegou a hora de despender energia com o que importa — a administração de um caixa falido e de uma máquina pública dilapidada pela corrupção. Hoje, o estado só consegue quitar parte de suas contas graças a um acordo de recuperação fiscal que suspendeu por três anos o pagamento da vultosa dívida contraída com a União — uma bola de neve que, inflada por juros galopantes, tem potencial para sufocar de vez o Rio. Para que se tenha um termômetro do problema, o orçamento de 2019 saiu do forno com uma previsão de déficit de 8 bilhões de reais, rombo que se reflete diretamente em serviços essenciais, como as já combalidas educação, saúde e segurança. O governador vai precisar fazer muitas flexões, sim. Não para aparecer na foto, mas para enfrentar a crise.
Publicado em VEJA de 23 de janeiro de 2019, edição nº 2618
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