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Festas canceladas e vaivém na Justiça marcam o Réveillon da Covid-19

Mesmo com alta de mortes por coronavírus, algumas cidades turísticas conseguem respaldo em tribunais para manter festas e confraternizações de fim de ano

Por João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Camila Nascimento Atualizado em 22 dez 2020, 16h18 - Publicado em 22 dez 2020, 15h57

A cidade turística de São Miguel do Gostoso, no litoral norte do Rio Grande do Norte, tem pouco mais de 10 000 habitantes e vida relativamente pacata durante 360 dias no ano. A calmaria no município costuma dar lugar à badalação e vira cenário de animadas viradas de ano, frequentadas por ricos e famosos que chegam a pagar quase 7 000 reais para desfrutar de sete dias de festa com shows de cantores populares à beira mar. No ano da pandemia de coronavírus, o Réveillon do Gostoso anuncia shows de nomes como o pagodeiro Thiaguinho e os DJs Dennis e Pedro Sampaio e acaba por se tornar um dos exemplos de que, se o combate ao coronavírus variou durante todo o ano de estado para estado, município para município, decisão judicial para decisão judicial, em uma bagunça considerável, não seria diferente ao seu final. A prefeitura de São Miguel do Gostoso editou um decreto que autoriza eventos particulares para mais de cinquenta pessoas na cidade, desde que cumpridos alguns protocolos sanitários, como a exigência de exames negativos de Covid-19 a todos os presentes. O Ministério Público tentou inutilmente barrar na Justiça a festa, que já vendeu 2 500 ingressos. A organização garante que o uso de máscara será obrigatório.

A cerca de 180 quilômetros dali, em Goianinha (RN), trabalhadores do setor turístico fecharam no último dia 18 uma via da BR-101 em protesto contra a proibição judicial de outra festa nos mesmos moldes, a Let’s Pipa, na Praia de Pipa, município de Tibau do Sul (RN). Barrado a pedido do MP potiguar, o evento acabou mantido dois dias depois do protesto por uma decisão de um desembargador, para quem o cumprimento do decreto municipal basta à sua autorização – a cidade também exige testes negativos para o novo coronavírus a frequentadores de festas em espaços abertos. Em outro vaivém judicial, também após protestos da população, uma decisão para fechar hotéis, barrar o acesso às praias e evacuar turistas em Búzios (RJ) foi revogada em menos de 48 horas pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Voltaram a vigorar, então, medidas municipais para combate ao coronavírus, como limite de 50% de ocupação em estabelecimentos comerciais e acesso ao município mediante apresentação de códigos. Na Ilha de Boipeba, em Cairu (BA), a Justiça não derrubou, ao menos até o momento, a proibição da festa Mareh NYE, feito a pedido do MP por risco de aglomerações. “Na eleição municipal, a ilha parecia carnaval de rua”, reclama Guga Roselli, organizador da festa.

Com o Brasil prestes a contabilizar 200 000 mortos e quase 7,5 milhões de casos de Covid-19, e enquanto a vacina não começa a ser aplicada à população, as confraternizações e festas nessa época do ano são foco de uma ofensiva de parte dos estados e municípios para desarmar uma bomba relógio que pode colapsar o sistema público de saúde nos primeiros meses de 2021. “O risco é equivalente ao que ocorreu no feriado de Ação de Graças nos Estados Unidos, de ser um evento super-disseminador do vírus, da mesma magnitude”, diz o neurocientista Miguel Nicolelis, coordenador do comitê científico para o combate ao coronavírus no Nordeste, região visada não só por turistas brasileiros nesta época, mas também estrangeiros.

O estado de São Paulo anunciou nesta terça-feira, 22, que todas as regiões do estado voltarão à fase vermelha de seu plano de contingência para combate ao coronavírus, que permite a abertura apenas de serviços e comércio essenciais, entre os dias 25 e 27 de dezembro e de 1º a 3 de janeiro. “Precisamos lembrar que não estamos num momento de festas nem aglomerações, é nesses momentos que o risco de descontrole da pandemia acontece”, disse a secretária de Desenvolvimento Econômico paulista, Patrícia Ellen. Antes da decisão do governo de João Doria (PSDB), festas públicas da virada do ano já haviam sido canceladas em São Paulo e no Rio, que recebem milhões de pessoas na Avenida Paulista e em Copacabana. A prefeitura carioca ainda proibiu eventos nos quiosques da orla e a paulistana desistiu até do Réveillon virtual que havia anunciado, enquanto cidades do litoral paulista pediram apoio ao governo estadual para instalar barreiras sanitárias em seus acessos e podem fechar as orlas no dia 31.

Festas de fim de ano canceladas: temor de nova onda de contágio
Queima de fogos em Copacabana foi cancelada pela Prefeitura do Rio neste Réveillon (Gabriel Monteiro/VEJA)
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Na Bahia, que tem algumas das mais badaladas festas de final de ano, como em Trancoso, Barra Grande e Itacaré, o governo vetou eventos públicos e privados, independentemente do número de participantes. A polícia foi orientada a monitorar redes sociais e sites de casas de show e bares que possam tentar burlar as medidas de restrição e tem ordens para bloquear o acesso às festas clandestinas. “Devemos desencorajar a formação de encontros com grande quantidade de pessoas. Se as pessoas não precisam realmente se reunir, seria muito útil se não o fizessem”, diz o governador da Bahia, Rui Costa (PT).

Em Alagoas, o governo limitou o número máximo de clientes em festas a 300 pessoas e impôs protocolos sanitários, que acabaram inviabilizando as maiores baladas, como o tradicional Réveillon dos Milagres, em São Miguel dos Milagres. “A questão econômica também pesou, não compensa fazer a festa com 300 pessoas, e acabaram adiando ou cancelando, mas houve compreensão do setor”, diz o secretário de Saúde de Alagoas, Alexandre Ayres. Também há casos em que, mesmo com a possibilidade de armar o circo e tocar as festas, os organizadores optaram por cancelá-las diante das restrições. “O decreto determina uma pessoa a cada três metros quadrados, uma equipe médica própria para pacientes com algum sintoma e outros pequenos detalhes que tornam inviável realizar um evento”, diz Cindy Lopes, sócia da boate One Pipa, na mesma praia onde a Let’s Pipa ocorrerá.

No meio da confusão, o setor hoteleiro vê com preocupação os números do final do ano. A ocupação de leitos no Nordeste, no Rio e na região Sul, que costumava chegar a 95%, deve ficar na faixa de 60%. “Não somos a favor de grandes festas, mas acredito que não pode ser assim tão brutal, com o cancelamento de tudo”, reclama o presidente da Associação Brasileira da Industria de Hotéis (ABIH), Manoel Linhares. Com a proximidade da vacina, um sacrifício nas festas deste final de ano é desejável para dar fôlego à saúde e, por consequência, mais à frente, um horizonte mais ameno à economia.

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