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Em meio à pandemia, o desmatamento dispara na Amazônia

Fiscais do Ibama enfrentam problemas sérios para atuar contra os exploradores ilegais

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 Maio 2020, 09h58 - Publicado em 30 abr 2020, 19h50

A pandemia se tornou uma cortina de fumaça para o avanço do desmatamento na Amazônia. Com os olhos do Brasil — e do mundo — voltados para a crise do coronavírus, madeireiros, garimpeiros e grileiros multiplicaram ações criminosas, aproveitando-se do momento para avançar sobre a floresta com motosserras e retroescavadeiras. Os alertas de áreas devastadas bateram o recorde no primeiro trimestre deste ano, totalizando 796 quilômetros quadrados, o que representa um aumento de 51% em relação ao mesmo período de 2019, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Informações preliminares mostram que aumentou ainda mais o ritmo de estragos entre março e abril, justamente quando boa parte do Brasil entrou em quarentena.

Enquanto a supressão da mata segue em ritmo acelerado, as ações de fiscalização e os autos de infração vêm caindo. Desmoralizado desde o ano passado pelo discurso de um governo que fala em incentivar a exploração em áreas protegidas, o Ibama sofreu um baque adicional com a Covid-19. Calcula-se que quase um terço do efetivo de seus profissionais de campo tenha sido afastado por pertencer a grupos de risco. Se não bastasse, as equipes que continuam em ação vêm encontrando dificuldades para atuar em certas regiões, como o Norte do país, porque algumas prefeituras determinaram que elas devem passar por um período de quarentena. O pretexto é de que isso evitaria trazer de fora para dentro a doença. Um completo absurdo, é claro, pois acaba com o efeito surpresa de quem está lá para fazer um flagrante. “Seria importante que vocês reavaliassem essa conduta (…). Talvez esperar passar esse período de pandemia”, argumentou o prefeito de Uruará, Gilson Brandão, em áudio obtido por VEJA, no último dia 20, a fiscais do Ibama, que haviam determinado a saída de invasores e a retirada de gado da terra indígena de Cachoeira Seca, no interior do Pará.

O estado foi palco de um caso que exemplifica bem a situação atual de descalabro. No início de abril, uma equipe do Ibama, com o apoio da Força Nacional, realizou uma megaoperação em reservas indígenas no sul do Pará — área onde o sistema identificou o maior território derrubado da floresta. Orientados por indígenas, os agentes flagraram, ao longo de duas semanas de investigação, serrarias, pontes e aeroportos clandestinos no meio da mata que deveria ser fechada, conforme relatório interno obtido por VEJA. Escondidos com galhos e folhas de árvores para escapar do radar dos helicópteros foram encontrados também tratores, galões de combustível e dezenas de armas. Depois, os fiscais incendiaram cerca de setenta equipamentos dos invasores, conforme manda a lei no caso de impossibilidade de realizar o transporte e a apreensão desses materiais.

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O trabalho dos agentes na região continuou nos últimos dias, mas a equipe sofreu baixas importantes. Responsáveis por coordenar a megaoperação, dois diretores de fiscalização do órgão, Renê de Oliveira e Hugo Loss, foram exonerados na última quinta-feira, dia 30. O chefe deles, o diretor de Proteção Ambiental, Olivaldi Azevedo,já havia sido destituído no dia 14. A interlocutores, os profissionais disseram que não houve nenhuma determinação formal para interromper a fiscalização. Segundo eles, no entanto, ficou claro que a forma de trabalho “não agradou” à cúpula do Ministério do Meio Ambiente. Em 21 de abril, dezesseis analistas ambientais do Ibama saíram em defesa dos companheiros, enviando um documento de protesto à chefia do órgão ambiental. Já o Ministério Público Federal abriu uma ação civil pública para apurar se houve “improbidade administrativa e violação aos princípios da moralidade e legalidade” na demissão de Olivaldi. O Ministério do Meio Ambiente não justificou as demissões. Apesar de as ações no Pará estarem amparadas na lei, o presidente Jair Bolsonaro é um crítico contumaz desse tipo de operação. “Não é para queimar nada”, disse ele em abril do ano passado, criticando o ocorrido em um caso semelhante. O presidente também é um ferrenho defensor da exploração de minérios em áreas indígenas — desde fevereiro tramita no Congresso um projeto de lei do Executivo que autoriza essas atividades.

Quase um consenso entre os especialistas, o enfraquecimento da fiscalização por causa da Covid-19 pode levar a Amazônia a novos recordes de desmatamento. “É preocupante, porque ainda estamos na época das chuvas. A partir de maio a tendência é aumentar com as queimadas”, diz Carlos Souza Junior, pesquisador do instituto Imazon. No dia 23, a força-tarefa da Procuradoria na Amazônia moveu um processo na Justiça para cobrar a ação imediata do governo para conter a “destruição da floresta”. Diante dos alertas, a preocupação internacional com o tema voltou a aparecer. No dia 26, a consultoria global Eurasia alertou os investidores para o fato de que a pandemia aceleraria o desmatamento. O assunto ganhou destaque em jornais como o britânico The Guardian. A volta das manchetes internacionais acusando o Brasil de descaso com esse patrimônio ambiental é outra péssima notícia para a imagem do país, cujo governo já vem sendo retratado no exterior como um dos líderes do discurso negacionista em relação ao risco do coronavírus. O pior é que, em ambas as situações, as críticas são pertinentes.

Publicado em VEJA de 6 de maio de 2020, edição nº 2685

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