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Eleição de 2022 será a mais cara da história do Brasil

Injeção de 6 bilhões de reais em dinheiro público no pleito concentra poder em caciques e candidatos com mandato e dificulta a renovação política

Por Tulio Kruse 8 jan 2022, 08h00

O Estado brasileiro cobra muito de seus cidadãos e entrega pouco. Quando entrega, ainda escolhe as prioridades erradas. O exemplo mais grotesco (e recente) dessa esdrúxula gestão de recursos da União é o financiamento público de campanhas. Insensíveis aos reais problemas brasileiros, os parlamentares aprovaram uma verba de 4,9 bilhões de reais para o Fundo Eleitoral, o montante destinado aos partidos para financiar as campanhas. A medida, que, num raro momento de lucidez, havia sido vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, passa a valer já para as eleições deste ano. Só para se ter uma ideia do tamanho da auto­indulgência dos senhores congressistas, a soma é quase o triplo do 1,7 bilhão de reais da disputa de 2018.

Para piorar, nenhum cálculo matemático sustenta o apetite político-­eleitoral. As receitas totais do país aumentaram apenas 37% entre 2018 e 2022, pouco mais de 10 pontos acima da inflação (em torno de 25%). Há outras comparações desfavoráveis. O valor aprovado é maior, por exemplo, que o reservado à compra de vacinas (3,9 bilhões de reais), sabidamente uma emergência para o país. E teve mais. O Fundo Partidário, que é destinado anualmente às siglas para custear as suas despesas de rotina, foi reajustado em 17% e chegou a 1,1 bilhão de reais. Somadas as duas fontes, o montante nas mãos das legendas chegará a 6 bilhões de reais em 2022, o que já faz da próxima eleição a mais cara da história. Só com dinheiro público ela supera a ex-recordista, a disputa de 2014, quando ainda era permitida a doação eleitoral por empresas (veja o quadro).

arte eleições dinheiro

A euforia dos atuais caciques com o modelo — e até do baixo clero do Congresso — é mais do que justificada. A regra atual favorece quem comanda as máquinas partidárias, e a distribuição de dinheiro quase sempre privilegia políticos com mandato. Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostrou que nas eleições de 2018, as primeiras com o Fundo Eleitoral, estados pequenos como Amapá e Acre já tiveram naquele ano um crescimento acima de 100% na média de gastos eleitorais na comparação com 2014, o que indicava que os cofres públicos injetavam mais dinheiro do que os partidos normalmente gastariam. A mesma pesquisa mostra que diretórios aplicam até seis vezes mais verba nas campanhas à reeleição do que em novos candidatos.

Uma consequência óbvia do modelo, portanto, é que ele inibe a renovação política ao deixar os novatos em desigualdade em relação aos ungidos pelas máquinas partidárias. Com mais dinheiro, é possível ter mais estrutura nas campanhas de rua e mais condições de produzir vídeos de qualidade e impulsionar postagens, por exemplo. De forma geral, estudiosos rejeitam a tese de que as redes sociais tornaram desnecessário o investimento em viagens e propaganda, como chegou a ser alardeado após a vitória de Bolsonaro, ancorado na internet e no Whats­App e com pouco dinheiro e tempo de TV. Para muitos, o ambiente do país, tomado pela antipolítica, favoreceu a estratégia, mas o que houve foi algo fora da curva. “Eleições precisam, sim, de pessoas na rua, bandeiras, comitês trabalhando, e isso gera muito gasto”, afirma Roberto Gondo, professor de comunicação política da Universidade Mackenzie.

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Outro problema do sistema é que ele tende a reforçar a polarização registrada, por ora, na corrida presidencial. Metade do valor dos fundos estará sob o controle de um punhado de partidos. Praticamente fechada no apoio à reeleição de Bolsonaro, a trinca do Centrão — PL, PP e Republicanos — terá 1 bilhão de reais na campanha. Com a segunda maior bancada na Câmara, o PT de Luiz Inácio Lula da Silva ficará com 582 milhões de reais (veja o quadro). Nesse cenário, cresce a importância do União Brasil, que nascerá da fusão de PSL e DEM e levará mais de 900 milhões de reais para a eleição. Sem candidato, a sigla é cortejada por Sergio Moro (Podemos), João Doria (PSDB) e Ciro Gomes (PDT), já que a dinheirama poderá ajudar a equilibrar a disputa com o petismo e o bolsonarismo.

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ALIADOS - Ciro Nogueira e Arthur Lira: caciques da bilionária frente governista – (Pedro Ladeira/Folhapress/.)

Por ironia, o duto de dinheiro público para partidos foi aberto por uma iniciativa eivada de boas intenções. O atual modelo surgiu em meio ao terremoto provocado pela Lava-Jato, que trouxe à tona esquemas de desvio de dinheiro, principalmente da Petrobras, para irrigar o caixa dois de campanhas. A operação tinha um ano e meio quando, em 2015, o Supremo Tribunal Federal julgou que as doações de empresas a partidos e candidatos eram inconstitucionais. A criminalização das doações empresariais abriu a caixa de Pandora da atração por verba pública e criou um certo desestímulo à busca por apoio privado — ainda são permitidas as doações por pessoas físicas. “O político não precisa ficar fazendo vaquinha virtual, pois já tem um caminhão de dinheiro do partido. Isso é ruim, diminui o vínculo da classe política com doadores pequenos”, diz o pesquisador-assistente Arthur Fisch, do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público (Cepesp) da FGV.

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Não se trata de demonizar o financiamento eleitoral público, até porque a ampla maioria dos países adota esse modelo — na Europa, só Itália, Suíça e Belarus não tem —, segundo o Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (Idea). Mas há limites. Na França e Portugal, o Estado banca menos da metade da campanha, o que leva os partidos a buscar doações. Na Alemanha, a legenda recebe 45 centavos para cada euro doado por pessoas físicas, e 83 centavos por voto. Nos EUA, há sistemas de financiamento público que variam de acordo com o estado, mas estão caindo em desuso nas eleições presidenciais. A maior parte da arrecadação é feita pelos Comitês de Ação Política (PACs), que podem receber dinheiro de empresas, mas não daquelas que são contratadas diretamente pelo governo.

INÍCIO DO FIM - PF na Odebrecht, em São Paulo, em 2016: a Lava-Jato levou à criminalização da doação empresarial -
INÍCIO DO FIM - PF na Odebrecht, em São Paulo, em 2016: a Lava-Jato levou à criminalização da doação empresarial – (Marcos Bezerra/Futura Press)

No Brasil, será muito difícil que a classe política mude algo que esteja, a seu ver, funcionando bem. Bolsonaro saiu derrotado da discussão sobre o financiamento público duas vezes. Ameaçou vetar o Fundo Eleitoral já no seu primeiro ano de mandato — e recuou pouco depois, alegando que o Congresso poderia abrir um processo de impeachment. Em 2021, disse que vetaria parcialmente o valor, o que não era possível. Como era de esperar em um governo com um presidente fraco e um Congresso forte, o veto integral foi derrubado com folga. Resta saber o que sairá disso tudo. As eleições de 2022, com a magnitude de dinheiro público envolvido, serão um bom teste para o sistema. Democracia, como se convencionou dizer, custa caro, mas, em um país com tantas outras necessidades, poderia custar bem mais barato.

Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2022, edição nº 2771

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