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Disputa no Tribunal de Contas da União mobiliza governo e Congresso

A cobiça por uma vaga de ministro no TCU entra no rol das concorridas negociações políticas

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 set 2024, 08h00

Em 2018, o estado de Roraima ingressou com uma ação na Justiça solicitando ao governo federal o ressarcimento das despesas que teve com o acolhimento dos refugiados venezuelanos que cruzaram a fronteira, fugindo da ditadura de Nicolás Maduro. Consultados, os técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) fixaram o valor da indenização em 40 milhões de reais. Quando o processo foi ao plenário, o ministro Jhonatan de Jesus concluiu, com base em cálculos próprios, que o valor deveria ser quase cinco vezes maior, ou seja, aproximadamente 200 milhões de reais. A tese do ministro, deputado federal por Roraima até o ano passado, foi vencida, mas é um exemplo do poder de interferência em diversas áreas que a Corte vem acumulando nos últimos tempos — na verdade, um pequeno exemplo. A caneta de um ministro do TCU pode paralisar obras de infraestrutura, interromper negócios, desfazer licitações, fustigar autoridades públicas e privadas e até inviabilizar carreiras políticas — desde a do prefeito de um município do interior do país à do presidente da República. Por conta disso, os olhos da política — e dos políticos principalmente — estão atentos ao calendário.

Criado para auxiliar o Congresso a acompanhar e fiscalizar os gastos públicos, o TCU é composto por nove ministros, três deles indicados pela Câmara dos Deputados, três pelo Senado, um pelo presidente da República, um pelo Ministério Público e um oriundo do corpo de auditores. Ex-deputados federais, como Jhonatan, Aroldo Cedraz e Augusto Nardes, completam 75 anos de idade entre 2026 e 2027 e serão obrigados a se aposentar. Nos bastidores, governo e congressistas já se movimentam para escolher ou, no mínimo, influenciar a escolha dos futuros ocupantes do cargo. Recentemente, o deputado Marcos Pereira (Republicanos) desistiu de disputar a presidência da Câmara. A decisão foi anunciada depois de ele ser consultado sobre a possibilidade de assumir a primeira vaga que surgir no tribunal. O parlamentar garante que a proposta nada teve a ver com a decisão, mas não descartou a hipótese de mais adiante considerar a oferta. Talvez por mera coincidência, surgiram rumores de que os ministros Nardes e Cedraz estariam sendo convencidos a vestir o pijama mais cedo, no máximo até o fim do ano.

Considerado por muito tempo como um repositório de políticos à beira da aposentadoria, o TCU passou a ser alvo de cobiça a partir de 2016, quando um julgamento do tribunal forneceu argumentos jurídicos para que o Congresso levasse adiante o processo de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff. Empoderada desde então, a Corte tem ampliado seu raio de ação, o que multiplica o poder e a influência dos seus ministros. É função do TCU, entre outras coisas, julgar as contas de todos os presidentes da República, apontar candidatos ficha suja inaptos a disputar eleições e analisar ilegalidades no uso de dinheiro público pelo Executivo. No recente cabo de guerra sobre o pagamento de emendas parlamentares, coube ao TCU municiar o Supremo Tribunal Federal de informações sobre o potencial desvio de recursos por parte dos parlamentares. Além de Marcos Pereira, constam no rol de candidatos à vaga os deputados Hugo Leal (PSD-MG) e Soraya Santos (PL-­RJ). “O Centrão, que já controla parte do governo, percebeu que pode influir também na fiscalização, o que não é nada recomendável”, avalia, sob reserva, um integrante da Corte.

O ministro Aroldo Cedraz hoje conduz as apurações sobre os gastos com cartões corporativos do governo Lula, enquanto Augusto Nardes é relator do processo que envolve Jair Bolsonaro com as joias recebidas de presente do governo saudita. Ambos já teriam sido sondados sobre a possibilidade de antecipar as respectivas aposentadorias. A indicação para as vagas dos dois cabe à Câmara dos Deputados. Em minoria no Congresso, o governo negocia um acordo para colocar no posto alguém de sua confiança em ao menos uma das cadeiras. O empenho aumentou nos últimos dias, especialmente depois que o tribunal anunciou que fará um pente-fino nas contas dos fundos de pensão, vespeiro que causa arrepios ao Planalto. Há muita preocupação sobre os caminhos que essa investigação pode tomar e as descobertas que podem emergir. Os governistas, por isso, tentam emplacar o nome do deputado Odair Cunha (PT-MG) ou o da secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior. Em troca da indicação de um petista, o partido apoiaria a candidatura do deputado Hugo Motta (Republicanos-­PB), representante do Centrão, à presidência da Câmara. É uma operação política complicada e de difícil execução. Não deixa de ser revelador o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União surgir no centro dessa negociação, que envolve apenas interesses políticos, pessoais e partidários. O interesse público, por enquanto, ainda não entrou na pauta.

Olho no calendário

Em tese, apenas em 2026 será aberta uma vaga de ministro no TCU, mas já são intensas as negociações para preenchê-la

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Marcos Pereira
Marcos Pereira (Flickr/Câmara Legislativa do Brasil/.)

Marcos Pereira
O deputado desistiu de se candidatar à presidência da Câmara, mas garante que sua decisão nada teve a ver com a oferta para assumir o cargo de ministro

Miriam Belchior
Miriam Belchior (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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Miriam Belchior
O governo quer colocar uma pessoa de sua confiança na Corte e tem cogitado o nome da secretária-executiva da Casa Civil como alternativa técnica

Odair Cunha
Odair Cunha (@odaircunhamg/Instagram)

Odair Cunha
O PT negocia apoio ao candidato do Centrão na disputa pela presidência da Câmara como contrapartida à indicação do líder do partido para o TCU

Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911

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