O eleitorado de Curitiba tem uma tradição recente de decidir rápido quem irá administrar a cidade. Desde 1992, quando passou a ter dois turnos nas eleições municipais, em quatro oportunidades o eleitor liquidou a disputa na primeira votação, inclusive na última, quando reelegeu Rafael Greca (PSD) com 60% dos votos. Na disputa deste ano, no entanto, pelo menos na largada, o cenário parece diferente: nada menos que cinco pré-candidatos estão empatados tecnicamente, segundo levantamento divulgado na quinta, 21, pelo Paraná Pesquisas. A esse congestionamento incomum no grid de largada soma-se ainda o clima para lá de quente — também inusual para Curitiba —que tomou conta dos bastidores dos principais partidos nos últimos dias, marcados por caneladas, não só entre adversários, mas até entre companheiros do mesmo partido.
A disputa se acirrou muito pelo fato de personagens relevantes terem mexido peças no tabuleiro. Uma das movimentações que provocaram mais barulho foi a não filiação do ex-governador Beto Richa, que decidira trocar o PSDB pelo PL de Jair Bolsonaro. Pega de surpresa, a cúpula do PSDB mandou avisar que não daria carta de anuência e que, se ele fizesse essa movimentação, perderia o mandato de deputado. No PL, a provável chegada gerou dedo na cara e gritaria. O ápice foi o vazamento de um vídeo — atribuído ao deputado estadual Ricardo Arruda (PL), pré-candidato à prefeitura e que agora corre risco de expulsão — que mostrava Richa saindo do encontro com Valdemar Costa Neto, chefe do PL, e Bolsonaro. Em meio ao barulho, Richa desistiu de mudar de legenda, mas segue pré-candidato. “Estava tentando construir um leque maior, com mais tempo de TV, estrutura, militância e vereadores do nosso lado. Foi quando vazaram o vídeo e azedou a situação”, diz o tucano que tentou bater asas, mas segue tucano.
Em uma sinalização de que até as rusgas são democráticas em Curitiba, na mesma semana o clima esquentou pelos lados do petismo. Uma comissão nacional chefiada pelo senador Humberto Costa (PT-PE) decidiu intervir no diretório local para determinar que a decisão sobre a eleição local seja tomada pela Executiva Nacional. A ideia é sacramentar uma aliança com o ex-prefeito Luciano Ducci (PSB), o que poderia resultar no apoio socialista a uma eventual candidatura de Gleisi Hoffmann, presidente da sigla, ao Senado caso Sergio Moro (União Brasil-PR) seja cassado pela Justiça. A intervenção despertou a fúria de alguns petistas, como Zeca Dirceu (PT-PR), líder do partido na Câmara e pré-candidato à prefeitura. “Fiquei sabendo pela imprensa”, afirmou.
O personagem-chave da corrida, no entanto, não está na esfera de influência do bolsonarismo e muito menos do petismo. O governador Ratinho Jr. (PSD), cuja gestão é aprovada por 75% dos curitibanos, apoia o vice-prefeito Eduardo Pimentel, que é do PSD, também sigla de Greca, que tem 73% de aprovação. Com esses padrinhos, ele aparece numericamente à frente na pesquisa. A candidatura dele pode atrair ainda o apoio do bolsonarismo, pois Paulo Martins, que pleiteia a vaga, tem cargo na gestão de Ratinho e ainda pode disputar a eventual vaga de Moro — ele ficou em segundo em 2022 e, caso o ex-juiz seja cassado, assume o posto até nova eleição.
Outro embate curioso envolve os escombros da outrora poderosa “República de Curitiba”, epíteto que a cidade ganhou nos tempos da Lava-Jato. Após perder o mandato de deputado por uma decisão do TSE, o ex-chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, está no páreo curitibano graças à Justiça Eleitoral, mas do Paraná. Ao julgar uma ação do PT contra a inclusão de Dallagnol nas pesquisas, ela concluiu que ele não está inelegível. Se for candidato, vai enfrentar um dos caciques que a Lava-Jato mandou para as grades — Richa foi preso duas vezes pela operação e viu seu cacife entrar em declínio com a investigação.
Com várias candidaturas do centro à direita — herdeiras do lavajatismo ou do bolsonarismo ou apoiada na popularidade de Ratinho e Greca, a esquerda acredita que pode até vencer, algo que não consegue desde 2012, com Gustavo Fruet (PDT) — o PT nunca governou Curitiba. “Quanto mais esse campo estiver dividido, mais chances a esquerda terá de levar uma candidatura ao segundo turno”, acredita Angelo Vanhoni, presidente do diretório municipal do PT.
Palco dessa disputa, Curitiba ganhou projeção nas últimas décadas como um lugar de boas ideias urbanísticas, sociais e ambientais que ajudaram a melhorar a vida no local. Ela ostenta o quarto melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre as capitais brasileiras e tem uma das mais baixas taxas de homicídios entre grandes metrópoles. Para decidir quem irá comandar a partir de 2025 uma cidade tão pacata e organizada, o clima nunca foi tão quente.
Publicado em VEJA de 22 de março de 2024, edição nº 2885