Diretor da Funarte decide entregar teatro no Rio a companhia evangélica
Em documento, Roberto Alvim, diretor da fundação, diz que Bolsonaro deve atuar na área de arte e cultura, dominada pelo 'marxismo cultural'
Criado por Roberto Alvim, diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte, o Projeto de Revitalização da Rede Federal de Teatros prevê que o Teatro Glauce Rocha, no centro do Rio, será transformado “no primeiro teatro do país dedicado ao público cristão”.
De acordo com documentos que constam de processo aberto na Funarte, o espaço será entregue à Companhia Jeová Nissi – fundado em 2000, o grupo tem orientação evangélica. No mês passado, Alvim chamou a atriz Fernanda Montenegro de “sórdida” e de “mentirosa”.
O processo a que VEJA teve acesso afirma que o país vive um “momento crucial no combate cultural”. Segundo o texto, é preciso que o governo do presidente Jair Bolsonaro “atue firme e propositivamente na área da arte e cultura, hoje dominada pelo marxismo cultural e pela agenda progressista”.
Em outro texto anexado ao processo, Alvim afirma que está formando um “exército de grandes artistas espiritualmente comprometidos com nosso presidente e seus ideais”. Segundo ele, todos estes estariam dispostos a “dar suas vidas pela edificação do Brasil, através da criação de obras de arte que redefinam a história da cultura nacional”.
O projeto prevê a criação do Teatro Brasileiro de Arte, companhia oficial dedicada à montagem de textos clássicos. O documento traz citações de frases atribuídas ao escritor Olavo de Carvalho e aos atores Carlos Vereza e Regina Duarte.
O processo também detalha a proposta de contratação da atriz Juliana Galdino, mulher de Alvim, para o cargo de diretora artística, no Teatro Plínio Marcos, de Brasília, do projeto de revitalização. Na quinta, 26, Alvim disse a VEJA que ela trabalharia de graça – mas, nos documentos, não há referência a um trabalho voluntário. Ele disse que desistira da contratação: segundo o diretor, por ser casada com ele, a atriz não poderia ter cargo na Funarte mesmo sem qualquer remuneração. Ela comandaria um projeto orçado em 3,508 milhões de reais. A Funarte é ligada ao Ministério da Cidadania.
Nas 63 páginas do processo há, porém, duas indicações de que Juliana seria remunerada. Na página 17 é dito que caberia às produtoras contratadas fazer pagamentos ao diretor artístico (cargo que ela exerceria). O contrato de exclusividade assinado entre Juliana e a Flo Produções e Entretenimento – que representa a atriz – diz que a empresa poderá, entre outros pontos, acertar o “valor do cachê”.
No contrato com a Flo, registrado em cartório no último dia 11, Juliana já é citada como diretora artística do Teatro Plínio Marcos. Cinco dias depois, Alvim ratificou uma solicitação de empenho (reserva de dinheiro) para a Flo Produções no valor de 688 mil reais – a quantia corresponde à primeira parcela do contrato.
Como VEJA revelou na sexta, 27, Roberto Alvim – nome artístico de Roberto Rego Pinheiro – foi o responsável pela indicação da própria mulher para a função. O processo traz uma carta assinada por ele em que o convite é formalizado. No dia 22 de agosto, ela enviou declaração em que aceita o cargo. No documento, ela afirma que seria representada com exclusividade pela Flo Produções e Entretenimento. Juliana e a produtora foram escolhidas sem licitação.
Em resposta a VEJA, Alvim afirmou por WhatsApp, nesta quinta, 3, que o trabalho não remunerado de Juliana consta de projeto de orçamento que estava sendo preparado. Lá, haveria a “discriminação minuciosa” de todos os gastos.
Segundo ele, nenhum contrato foi assinado e nada foi recebido por qualquer produtora. “Todos os processos da Rede Federal de Teatros estão em estudo e análise”, escreveu. Para Alvim, o “o resto é pura denúncia vazia”.
Em e-mail enviado a VEJA na sexta passada, o presidente da Funarte, Miguel Proença, afirmara que também não houve qualquer despesa. Ressaltou não ter aprovado o processo de revitalização da rede de teatros. Segundo ele, ninguém “recebeu nenhum valor relacionado ao projeto, nem houve contratação”.