A reestreia oficial foi anunciada no dia 6 de fevereiro, com pompa e circunstância, nas redes sociais do Ministério do Meio Ambiente, através de um vídeo que mostrava um helicóptero se aproximando da Terra Indígena Yanomami durante a crise humanitária que se abateu sobre os povos da região. “O Ibama voltou”, celebrava a pasta da ministra Marina Silva. E voltou mesmo. Em pouco mais de dois meses de operação na área, o órgão, com a ajuda de forças de segurança, desmontou 285 acampamentos de garimpeiros, tomou ou destruiu oito aeronaves, 23 barcos e três tratores e apreendeu 22 toneladas de cassiterita, um minério extraído irregularmente do local.
Esse ritmo de trabalho intenso vem se mantendo e já acumula desde o início do ano números relevantes: no período, o Ibama triplicou a quantidade de multas por desmatamento e dobrou a apreensão de bens e embargos de propriedades relacionadas a crimes ambientais (veja o quadro). Além disso, retomou o cerco contra a pesca e caça ilegais, o tráfico de animais e a criação de gado na Amazônia. Na última terça, 11, fez operação em oito estados que levou ao bloqueio recorde de 1,2 milhão de metros cúbicos de madeira e carvão extraídos ilegalmente e “esquentados” de forma fraudulenta. Agora, prepara ofensiva contra o garimpo em mais sete terras indígenas.
A exibição de musculatura do maior órgão de fiscalização ambiental do país impressiona porque o cenário herdado do governo Jair Bolsonaro era de terra arrasada. O Ibama atua com apenas 300 fiscais em campo — já chegou a ter 2 000 — e com metade do quadro previsto de servidores. O efetivo já tinha sido reduzido antes de Bolsonaro, mas não houve concursos e muitos funcionários se aposentaram ou pediram para sair na gestão de Eduardo Bim, entre 2019 e 2023, quando relatos de perseguição e assédio eram frequentes. O Ibama tem 2 900 servidores e mais de 5 000 processos administrativos contra eles. “É muito difícil combater todas as ilegalidades tendo profissionais acuados e assustados”, diz Rodrigo Agostinho, um ex-estagiário do Ibama que fez carreira política (foi prefeito e deputado federal) e assumiu a presidência do órgão em fevereiro.
Uma de suas prioridades é recompor o quadro de funcionários. O Ibama enviou ao ministério um pedido para contratar 2 408 servidores, o que ainda não foi autorizado. A escassez de mão de obra é um dos fatores que impedem, por exemplo, a reabertura da base em Tabatinga, um ponto essencial de fiscalização na Amazônia, desativado em 2019. Sem isso, fica difícil combater pescadores, caçadores e garimpeiros nas terras indígenas do Vale do Javari, onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram assassinados em 2022. “A gente não consegue ver melhora nenhuma, as invasões e os crimes ambientais continuam”, diz Orlando Possuelo, consultor da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
Outra herança dos anos Bolsonaro que está sendo desmontada é a falta de disposição para punir crimes ambientais. Uma das prioridades envolveu o esforço para reverter decisão da gestão anterior que mudou um entendimento administrativo e permitiu que 183 000 autuações, que somam 29 bilhões de reais, fossem consideradas inválidas ou prescritas. Em 21 de março, a Advocacia-Geral da União autorizou a cobrança. “Estamos com uma força-tarefa trabalhando para evitar a prescrição dessas multas. Não vamos conseguir salvar todas, mas a maior parte delas”, afirma Agostinho.
A volta do protagonismo do Ibama também o recoloca no centro de tensões políticas. No início de abril, o órgão irritou pecuaristas ao determinar a retirada de 500 000 cabeças de gado de áreas embargadas na Amazônia. Para Agostinho, o episódio não vai prejudicar a relação já complicada do governo Lula com o agronegócio (leia entrevista abaixo). Outra tensão no horizonte envolve a renovação da licença de Belo Monte, vencida desde o fim de 2021 — a usina é acusada de não cumprir as contrapartidas ambientais e de prejudicar as populações indígenas e ribeirinhas. Também pode haver problemas na discussão do aval à exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. O episódio pode gerar atritos no próprio governo, já que o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, é entusiasta do projeto, enquanto a ministra Marina Silva é contrária.
É fato que um Ibama combativo incomoda — e muito — alguns setores, mas a sua volta significa a retomada da política ambiental pré-Bolsonaro, que era essencial para conter a destruição de biomas como a Amazônia. Eventuais exageros sempre podem (e devem) ser contestados, mas o desleixo com a proteção ambiental não é bom nem para o país nem para o mundo.
“Não temos nada contra o agro”
Novo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho fala sobre os casos espinhosos que estão na mira do órgão.
O senhor não teme uma crise com o agronegócio ao retirar 500 000 cabeças de gado da Amazônia? Seremos muito duros para reduzir o desmatamento. A retirada é a exceção, quando os embargos são desrespeitados. A maior parte do agronegócio brasileiro quer estar dentro da lei. O Ibama não tem absolutamente nada contra o agro.
A licença de Belo Monte será renovada? O desafio é criar uma regra muito clara de quanta água pode ser utilizada pela usina e o quanto deve ser deixado para garantir a vida do Rio Xingu. A melhor posição é buscar um equilíbrio. Para isso, pode ser preciso reduzir a produção de energia em alguns momentos do ano.
O que acha de explorar petróleo na foz do Rio Amazonas? É muito complexo, vai demandar mais estudos. Não temos condição de dizer se vai prosperar. O Ibama está acostumado a licenciar petróleo, mas nesse caso há um olhar especial.
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2023, edição nº 2837