Figura conhecida dos mais altos círculos da política brasileira há pelo menos três décadas, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) calcou sua trajetória em um posicionamento característico do grupo ao qual pertence e ao qual ajudou a dar a visibilidade que tem hoje — o poderoso Centrão. Navegando entre os meandros dos jogos de poder, sempre optou pela política de boa vizinhança com o presidente da ocasião e o conglomerado a ele anexado, mesmo que isso significasse uma oscilação de um lado a outro no espectro ideológico, o que lhe garantiu um perfil de habilidoso articulador no Congresso. Agora, no entanto, o cenário é outro. Mesmo tendo em conta um Jair Bolsonaro totalmente encrencado na Justiça, Ciro não abandonou o ex-presidente, de cujo governo foi uma espécie de primeiro-ministro. Com isso, o senador faz uma espécie de estreia oficial na oposição.
No estilo franco-atirador, cada vez mais tem voltado as baterias contra o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, de quem já foi aliado no passado. O objetivo mais imediato da artilharia é regional: evitar uma derrota para o PT nas eleições municipais do Piauí. A principal arena do embate é a capital, Teresina. Ciro declarou apoio ao atual candidato mais bem colocado nas pesquisas, o ex-prefeito Silvio Mendes (União Brasil), dentro de uma aliança com o Progressistas e o Republicanos. Apesar do favoritismo, a campanha não será fácil, pois o rival tem um arco de apoios igualmente poderoso. Mendes aparece à frente do deputado estadual Fábio Novo (PT), candidato do governador do estado, Rafael Fonteles (PT), “herdeiro” de Wellington Dias, atual ministro do Desenvolvimento.
Para fazer frente aos rivais, um dos ativos do senador é justamente a aliança com Bolsonaro. A aproximação decisiva entre eles se deu em meados de 2021, quando Ciro assumiu a Casa Civil do então governo. Como um dos caciques do Centrão, ele foi um dos principais interlocutores a garantir a sustentação política de uma administração até então mambembe. Independentemente do destino dos inquéritos que tiram o sono hoje do ex-presidente, é certo que ele seguirá sendo um cabo eleitoral importante. Ciente disso, Ciro se coloca atualmente como um porta-voz do bolsonarismo.
Além de críticas contumazes a Lula — ao qual tem se referido como “governo da decepção” —, com disparos que vão desde a meta fiscal até o inchaço da máquina pública, o senador se dispõe até a defender Bolsonaro nos enroscos do ex-capitão com a Justiça. Em março, criticou as declarações de militares à Polícia Federal na investigação que apura a suposta tentativa de golpe de Estado e apontou prevaricação dos envolvidos. Em depoimento, o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes disse que o plano fora apresentado por Bolsonaro.
Tamanho esforço oposicionista vai muito além do plano dele de garantir uma vitória em Teresina. A movimentação de Ciro é também uma contraposição ao próprio PT, dentro de uma estratégia para fortalecer as alianças políticas no Piauí e, assim, garantir uma eventual renovação de seu mandato em 2026. Aliados apontam que o senador terá como entrave justamente a virada de chave à direita em seu posicionamento político. Como o estado é majoritariamente petista — o presidente teve mais de 74% dos votos na última eleição —, a pecha bolsonarista jogaria contra. Por essa razão, uma vitória em Teresina — cidade que historicamente não elege petistas — seria um passo importante para a briga por uma nova cadeira no Senado.
Em paralelo à rinha regional, Ciro tenta atuar como importante articulador de uma aliança de centro-direita para a disputa à Presidência em 2026. Tem partido dele, como líder do PP, a articulação com o União Brasil e o Republicanos de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, para a criação de um novo conglomerado de partidos. O senador encomendou recentemente uma sondagem de possíveis nomes ao Palácio do Planalto para o Instituto Paraná Pesquisas e apresentou o resultado em Brasília a um grupo de governadores de oposição. Os nomes testados contra Lula tiveram um bom desempenho, a exemplo da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e de Tarcísio de Freitas. Ciro também decidiu se testar e aparece com 29% dos votos contra Lula (mais de quinze pontos abaixo), com um “detalhe” que pode ter anabolizado o resultado: foi perguntado aos entrevistados se votariam nele caso o senador tivesse o apoio do ex-presidente. A despeito da habilidade camaleônica de um político que esteve ao lado de todos os governos desde a era Fernando Henrique Cardoso, ninguém leva muito a sério a possibilidade de vê-lo como cabeça de chapa, nem mesmo o próprio. “Serei candidato a vice de Bolsonaro, ou de quem ele indicar”, afirmou Ciro a VEJA. Independentemente do assento, o franco-atirador quer mesmo é garantir desde já um espaço vip no combo de direita para 2026.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2024, edição nº 2887