Damares perde prestígio e é a ministra que menos usa a verba de sua pasta
Ela chegou a ser cotada para vice de Bolsonaro em 2022. Hoje está entre os ministros que menos circulam no entorno do presidente
Em uma das últimas ocasiões em que esteve ao lado do presidente Jair Bolsonaro, em 5 de outubro, a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) fez uma reclamação. Diante de um auditório com centenas de pastores na Igreja Batista Central de Brasília, disse que a sua equipe trabalha muito, mas não tem orçamento suficiente. A cifra anual destinada à pasta, de 606 milhões de reais, está mesmo entre as menores da Esplanada, mas números do próprio governo indicam que o principal entrave da pasta não é o dinheiro. O ministério é o único que utilizou menos da metade da verba à disposição em 2021: até novembro, só 43% do total. À primeira vista, ter uma autoridade economizando em momento de crise poderia ser motivo de aplausos. Só que quando há uma diferença muito grande entre o planejado e o executado, como no caso de Damares, fica evidente um problema grave de gestão. Um dia antes do desabafo contraditório de Damares, o Ministério Público Federal já havia feito esse mesmo diagnóstico, abrindo um inquérito para saber por que ela gastara tão pouco no ano passado (46,5%).
A baixa produtividade afetou até algo caro ao bolsonarismo, ao menos no discurso. Para enfatizar uma de suas prioridades, o presidente mandou acrescentar a palavra “família” ao nome oficial do antigo Ministério dos Direitos Humanos. O negócio ficou só na retórica. Com Damares, a pasta reservou uma parte do orçamento para três programas ligados ao tema. A maior parte, no entanto, continua no cofre: de 6,4 milhões de reais, apenas 1,2 milhão de reais foi empenhado. A Secretaria Nacional da Família, criada na atual gestão, é o departamento do ministério com o menor número de convênios e parcerias assinadas.
Na prática, a falta de empenho nesses programas significa menos contratações de assistentes sociais, tutores e educadores, e menos famílias atendidas. A vitrine da secretaria é o programa Famílias Fortes, que visa a aconselhar moradores de lares problemáticos e carentes que tenham crianças entre 10 e 14 anos. Lançado no fim de 2019, o programa ficou dez meses parado. Os contratos firmados até agora preveem atender cerca de 3 000 famílias a um custo de 2,6 milhões de reais. Para efeito de comparação, um programa estadual lançado em São Paulo em março deste ano, o Prospera Família, tem 12 000 famílias inscritas e orçamento de 63 milhões de reais.
Outra bandeira de Damares que anda em marcha lenta é a política de enfrentamento à violência contra mulheres — somente 4,5% da verba reservada foi empenhada até agora. A falta de financiamento ocorreu mesmo durante um período em que as contratações foram facilitadas e créditos extraordinários liberados por causa da pandemia. No mesmo período, aliás, a violência doméstica cresceu. “Não há uma explicação razoável para isso”, critica a antropóloga Carmela Zigoni, assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos. Procurado por VEJA, o ministério de Damares disse por meio de uma nota que não implementa nenhuma ação sem contar com um parceiro público ou privado responsável por executar os projetos. Sobre a demora para celebrar tais acordos, nenhuma justificativa razoável.
A ineficiência da pasta foi um dos motivos para a perda de prestígio da titular. Principal representante da ala evangélica no governo, Damares chegou a ser cotada para vice de Bolsonaro em 2022. Hoje está entre os ministros que menos circulam no entorno do presidente. Desde o início de setembro, esteve em três eventos com o chefe, sendo um deles a manifestação do Dia da Independência em Brasília. O futuro político dela é uma incógnita. O presidente do Republicanos, Marcos Pereira, diz que ainda há a possibilidade de levá-la para o partido e colocá-la na disputa por uma vaga no Congresso. Líderes do PP afirmam que o convite para uma candidatura ao Senado por Sergipe está de pé. Damares, no entanto, tem declarado que será apenas cabo eleitoral de Bolsonaro em 2022 — de novo com a bandeira da defesa da família. O difícil vai ser colar esse discurso justamente no tema em que ela ficou mais devendo.
Orçamento tardio
O ministério reforçou que precisa de parceiros e que não faz transferências diretas de recursos — uma modalidade da qual outros ministérios dispõem. “Toda iniciativa do ministério requer a celebração de um instrumento administrativo de parceria, seja um convênio, um contrato de repasse ou um termo de fomento ou de colaboração, seja um termo de execução descentralizada”, diz a pasta.
O ministério informou, ainda, que a aplicação do dinheiro atrasou por causa da aprovação tardia da Lei Orçamentária Anual (LOA), que determina os valores destinados a cada pasta. A LOA normalmente é votada no fim do ano anterior, mas a de 2021 só foi aprovada em abril. “Sua execução está sendo realizada, mas requer a celebração dessas parcerias, o que, num cenário de aprovação de LOA tardio, adiou a conclusão delas”, diz.
A pasta também diz que a destinação de recursos é técnica. “Os dirigentes do MMFDH não fazem demagogia com as pautas caras ao governo federal, atinentes à proteção das mulheres, crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiências, comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas e pessoas LGBTs”, afirma.
Segundo o ministério, o programa Famílias Fortes tem um total de 2 milhões de reais reservados até o momento, entre valores pagos e empenhados, e que outros 4,7 milhões de reais serão investidos no programa.
Publicado em VEJA de 1 de dezembro de 2021, edição nº 2766