A corrida pela próxima vaga a ser aberta no STF, daqui a pouco mais de um mês, com a aposentadoria da ministra Rosa Weber, começou com muitos nomes, entre eles políticos graúdos e juristas renomados, e muita discussão, principalmente em torno da representatividade feminina na Corte, onde as mulheres ocupam apenas duas das onze cadeiras. Tudo indica, no entanto, que a disputa começa a se afunilar. Embora a definição ainda esteja em aberto e não seja possível cravar o escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quem acompanha os bastidores aponta dois nomes como os mais fortes hoje no páreo: o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas. No percurso perderam força outros cogitados, como o ministro da Justiça, Flávio Dino, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O que ainda pode embaralhar a disputa é a pressão que Lula tem sofrido de alas progressistas para colocar uma mulher no lugar de Weber — movimento que até agora não sensibilizou o presidente.
Cada um dos favoritos tenta agora reforçar as suas cartas na manga. Os apoios do PT foram providenciais para que Messias figure hoje entre os mais cotados. Interlocutores do presidente dizem que o chefe da AGU surpreendeu ao reunir o aval de distintas alas petistas. Essas fontes citam relações muito próximas e fraternas do ministro com a ex-presidente Dilma Rousseff e o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, além das preferências da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e do líder do governo no Senado, Jaques Wagner. Jorge Messias frequenta os bastidores do partido há tempos — trata-se de “prata da casa”, como resume um aliado de Lula. Outro “empurrão” vem do Prerrogativas, grupo de juristas ligados ao presidente, embora ali também seja vista com bons olhos a alternativa Dantas. Sua desvantagem é a falta de experiência em cargos de peso, o que não restringe a resiliência em situações de extrema pressão.
Seus defensores ressaltam ainda sua boa interlocução no meio evangélico — uma qualidade que, a rigor, carrega igualmente um lado negativo. Diácono da Igreja Batista, conta com o apoio de lideranças como a do deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP). Foi Messias, aliás, quem representou Lula na Marcha para Jesus, em São Paulo (o presidente teve o seu nome vaiado ao ser citado pelo AGU. Setores tidos como progressistas, que defendem a liberalização do aborto e da Cannabis para uso medicinal, olham com desconfiança a possibilidade de mais um devoto assumir o STF após a chegada do “terrivelmente evangélico” André Mendonça. Messias, vale ressaltar, tornou-se conhecido do público em 2016, no famoso episódio ocorrido no apagar das luzes do governo Dilma. Enquanto subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil, seria ele o responsável por levar a Lula em mãos o termo de posse como ministro, que, em razão do foro privilegiado, poderia livrá-lo de uma eventual prisão determinada na Operação Lava-Jato. No famigerado grampo em que Dilma conta a Lula sobre os planos, o agora AGU ficou conhecido como “Bessias”.
O grande “rival” de Messias é o ministro Bruno Dantas, bastante elogiado por sua gestão no TCU, tanto por Lula quanto pelo entorno do presidente. Em Brasília, mesmo seus desafetos concordam que Dantas demonstra uma habilidade política comparável à de grandes articuladores do passado. Sabe compor, resiste a pressões, é fiel a quem o ajuda e toma posições firmes, mas com classe e embasamento. Inegavelmente, os laços firmes com autoridades como o ministro do STF Gilmar Mendes e o senador Renan Calheiros, dois gigantes na interlocução brasiliense, representam “ativos” muito importantes nessa disputa. Afinal, ambos são ouvidos com frequência por Lula e o presidente gostaria, evidentemente, de agradar à dupla. Além de abrir uma vaga no TCU, que pode ser usada como acomodação pelo Planalto, o atual presidente do órgão do pode se beneficiar ainda porque há no círculo presidencial quem defenda um maior equilíbrio regional no Supremo, que hoje tem uma concentração de ministros do Sul e Sudeste (nove das onze cadeiras). O Nordeste, por exemplo, tem apenas Nunes Marques (piauiense). Por esse quesito ganhariam pontos Dantas, que é baiano, e Messias, pernambucano.
Embora o páreo se afunile entre dois homens, mulheres ainda são cogitadas para a vaga de Rosa. Os nomes mais fortes seguem sendo os de Simone Schreiber, desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), a ministra Regina Helena Costa, do STJ, e a advogada Dora Cavalcanti. Recentemente também surgiu o nome da promotora paraense Ana Cláudia Pinho, recomendada pelo jurista italiano Luigi Ferrajoli, um dos mais conhecidos defensores do garantismo judicial, que Lula tem em alta conta. As opções colocadas são vistas como donas de “notório saber jurídico”, mas carecem do que Lula mais valoriza no momento: confiança. O lobby, porém, continua firme. “Se Lula reduzir de duas para uma ministra, será como ter dado com uma mão e tirado com a outra”, avalia o ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto, lembrando que foi o petista quem elevou a dois o número de mulheres na Corte, com a indicação de Cármen Lúcia, em 2006. Nos bastidores, a primeira-dama, Janja, passou a defender a indicação de uma mulher, mas não faz campanha por nome específico.
A nomeação do sucessor de Rosa é vista como estratégica, por ser a última que caberá a Lula neste mandado em decorrência de aposentadorias por idade no STF. Há também mais tensão em torno da escolha, porque setores progressistas já estão descontentes com Cristiano Zanin em alguns de seus primeiros posicionamentos no Supremo. Ele foi o voto isolado no julgamento em que o STF equiparou a homotransfobia ao crime de injúria racial. Zanin, contudo, deve ser um dos interlocutores que Lula consultará antes de bater o martelo sobre a nova indicação ao STF. Nos bastidores, diz-se que ele tem alguma simpatia por Messias, mas jamais seria contrário à escolha de Dantas.
As duas nomeações no terceiro mandato de Lula deverão dar um caráter mais garantista à Corte. Nessa ala já havia Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que fazem contraponto a outros mais “punitivistas”, como Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Os ministros indicados por Jair Bolsonaro, Nunes Marques e André Mendonça, variam entre os grupos e, não raro, ficam isolados. Com a saída de Weber, a presidência será assumida por Barroso até outubro de 2025. Pela frente haverá muitos temas caros ao governo, como a constitucionalidade da Lei das Estatais, o marco temporal para demarcação de terras indígenas e a exclusão de benefícios fiscais relacionados ao ICMS da base de cálculo do imposto de renda das empresas e da contribuição social sobre o lucro líquido, que permite ao governo arrecadar 90 bilhões de reais. Para quem já deixou a Corte, no entanto, o governo não deveria contar com retribuições. “Não se agradece uma indicação ao STF com a capa sobre os ombros”, diz o ex-ministro Marco Aurélio Mello. É isso, de fato, que se espera, não só de um dos poderes da República, como é o Supremo, mas da Justiça como um todo.
Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2023, edição nº 2856