Com tantas incertezas, achei que este ano, depois de uma década no batente natalino, não teria emprego de Papai Noel. Mas tive, só que bem diferente. Os bons velhinhos como eu, a maioria do grupo de risco e acima do peso, foram obrigados a correr para aprender coisas novas e se adaptar aos tempos de distanciamento social. Virei um Papai Noel de shopping no modo virtual, falando com as crianças via aplicativo de imagem, um tremendo desafio. Até uns meses atrás, o máximo que eu sabia fazer no computador era uma pesquisa básica, enviar um e-mail, e só. Precisei assistir a um curso on-line justamente criado para ajudar os profissionais a trabalhar como nunca antes neste Natal. Tive lições de como me posicionar e ficar à vontade diante da câmera e fui treinado para manter o encanto mesmo a distância. É preciso ainda mais jogo de cintura, a criança fica atenta aos detalhes. Outro dia, em um papo virtual com um menininho, ele insistiu: “Me mostre as renas”. A saída foi dizer que estava frio demais cá no Polo Norte e que eu não poderia sair para mostrá-las. É claro que sinto falta daqueles abraços e beijos espontâneos, de ver o sorriso das crianças de perto. Mas a magia permanece.
Fazia seis meses que estava isolado em casa, sem encontrar meus filhos, netos e bisnetos, quando assumi o posto de Papai Noel. Achava que já não ia mais acontecer. Em geral, os shoppings me procuram com grande antecedência, às vezes nos primeiros meses do ano. Com a pandemia, meu contrato foi fechado em cima da hora e minha rotina, definitivamente, não tem nada a ver com a de outros natais. Em vez de ficar no meio do corredor, entre as lojas, estou instalado numa salinha de um shopping da Zona Norte do Rio, decorada com uma poltrona e um pinheiro. Só entram ali eu e um operador de câmera e áudio. Minha roupa é desinfetada com um spray especial todos os dias. Como muita gente na quarentena, acabei comendo demais e ganhei 9 quilinhos extras. No ano passado, precisei usar uma barriga falsa embaixo da roupa vermelha. Agora é tudo original mesmo. Minha imagem é projetada em um telão. A ideia é que a criança converse comigo e tire quantas fotos quiser. Algumas ficam mais tímidas no encontro virtual, mas tento fazer o máximo para descontraí-las. Como esse contato envolve tecnologia, às vezes ocorrem falhas. Já aconteceu de eu estar no meio de uma conversa com uma menina e dar defeito na transmissão ou de alguém esbarrar na câmera. Para justificar o imprevisto, uso a imaginação. Digo que está tendo uma nevasca próximo à casa do Papai Noel e seguimos em frente.
Sou bacharel em direito e sempre trabalhei no comércio, até me aposentar, em 2011. Para não ficar parado, fui fazer trabalhos de figurante em uma emissora de TV e, num deles, precisei deixar a barba, que já era branca, crescer. Na gravação, conheci um senhor que atuava como Papai Noel e ele me incentivou a experimentar. Adorei. Hoje, tenho o personagem tatuado no braço e me encho de orgulho de ser chamado de Noel por onde passo, mesmo quando estou à paisana, sem o traje oficial. Em uma década, observo como os pedidos de presente vêm mudando. Todas as cartinhas, aliás, continuam a chegar às minhas mãos. As crianças me pedem muito celular, de preferência de última geração, e aí já tenho uma resposta na ponta da língua. Digo que não vai dar, que a fábrica da Lapônia só produz brinquedos. Nesta semana, num desses encontros virtuais, uma criança me veio com a seguinte demanda: “Papai Noel, me dá a vacina contra a Covid-19?”. Fiquei meio sem reação e expliquei que os cientistas estavam providenciando. Então ela disse: “Se cuida para não ficar doente, porque a gente não quer ficar sem presente”. Ganhei o dia.
Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718