Com público crescente, Carnaval de SP já tem mais blocos que o Rio
Folia paulistana ultrapassa a carioca em número de blocos e organização
Antes de 2013, colocar um bloco nas ruas de São Paulo implicava mergulhar em um labirinto burocrático, tratar com despachantes e, eventualmente, se jogar na ilegalidade. Hoje, a folia de rua paulistana está em vários quesitos, no mesmo patamar do tradicional Carnaval de blocos do Rio de Janeiro. Em termos de número de blocos, a capital paulista já está um pouco na dianteira.
Até 10 de março são previstos 556 desfiles, de 516 blocos oficiais, recorde da festa de rua na cidade. A alta é de 12,4% ante o ano anterior, que teve 459, e é o triplo de 2014 (172). Já o Rio terá 498 cortejos (em 2018, foram 437). A estimativa de público para São Paulo também é enorme: 12 milhões. A expectativa é de 7 milhões no Rio.
Os megablocos cariocas já têm versão paulistana: Sargento Pimenta, Bangalafumenga, Monobloco e Bloco da Preta. Artistas como Alceu Valença, Daniela Mercury, Maria Rita e Pabllo Vittar também subirão nos trios elétricos da cidade. Se há dez anos um bloco como o Acadêmicos do Baixo Augusta era praticamente uma ação entre amigos e não arrastava mais do que 1,5 mil pessoas, hoje consegue puxar mais de 1 milhão.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviço e Turismo divulgou no mês passado pesquisa que coloca São Paulo em segundo lugar em faturamento de Carnaval, com potencial de 1,9 bilhão de reais. Para o Rio, o faturamento previsto é de 2,1 bilhões de reais. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, seção de São Paulo, a taxa de ocupação dos hotéis é cinco vezes maior do que era há dez anos.
Nos hotéis mais econômicos localizados na rota de blocos de rua, a ocupação chegou a 85% dos quartos no último fim de semana, aumento que reflete a mudança no perfil do turista de Carnaval em São Paulo. O Airbnb divulgou que a procura por hospedagem em São Paulo cresceu 87% em relação a 2018 – atrás só do Rio de Janeiro e de Florianópolis.
As razões
Claro, nada disso é de graça. Este ano, o patrocínio supera os 16 milhões de reais — com recursos para carros de som, ambulâncias, segurança e limpeza. A profissionalização e a capacidade dos blocos em angariar verba própria também cresceu. “Com a profissionalização, estamos fazendo um Carnaval mais democrático, sem cordas e espalhado pela cidade”, disse Alan Edelstein, um dos sócios da Oficina da Alegria, produtora especializada para a folia.
Nos bastidores, a organização dos blocos que transitam entre o eixo Rio-São Paulo vê mais “boa vontade” das autoridades paulistanas. Neste ano, grupos cariocas tiveram dificuldade até de conseguir autorização para os desfiles. “Em São Paulo, o Carnaval tem sido encarado como solução para um período do ano em que a cidade ficava vazia e a economia não girava. Agora, a realidade é diferente”, diz Felipe Menasche, gestor de projetos do Pipoca, outra produtora especializada.
Ganhos
O Carnaval tem atraído também visitantes do interior, impulsionando excursões. A Denis Excursões, de Santos, traz foliões para a capital há quatro anos, mas, desta vez, ampliou para quatro datas. “O Bloco do Dennis (do Dennis DJ, que toca funk e foi às ruas no pré-carnaval) foi o que teve a maior procura (mais de cem pessoas). No ano passado, foi o Monobloco”, diz Denis Cardoso, dono da empresa de viagens, que também terá passeios para ver os blocos de Claudia Leitte e Preta Gil, no pós-carnaval.
Já a Vision Eventos, de Campinas, leva excursões para os blocos de São Paulo pelo segundo ano seguido. Em 2018, a viagem foi de van. Desta vez, será de ônibus. “Muita gente começou a procurar”, diz Laerte Machado Filho, sócio da empresa. Segundo ele, a procura maior é de foliões entre 18 e 30 anos. Os valores das excursões variam entre 55 reais e 90 reais para viagens com saída do litoral e das regiões de Campinas e Piracicaba, interior do Estado. Parte delas é adepta do “ônibus balada”, com música e open bar durante a viagem.
A bartender Priscila Pena, de 26 anos, resolveu pagar excursão pelo segundo ano consecutivo, saindo de São Vicente, no litoral paulista. “Fui no (bloco) Casa Comigo no ano passado. Gostei muito, achei mais seguro e bem animado”, conta. “A excursão é mais segura. Inicialmente pensamos em ir de carro, mas dá muito trabalho e assim voltamos despreocupados.” De Jaboticabal, a 358 quilômetros da capital, Jonathan Hill, de 23 anos, quer comprovar tudo de bom que tem ouvido falar sobre a folia na cidade. “Posso pular Carnaval no Rio ou em Salvador em outra oportunidade.”
Para a empresária Daniele Pittorri, de 29 anos, de Campinas, a opção também pesa menos no bolso. “Ainda é mais barato passar Carnaval em São Paulo, onde posso até ficar hospedada na casa de amigos, do que gastar uma fortuna no Rio.”
No Rio, Carnaval encolhe sob Crivella
Dois anos depois de brigar com as escolas de samba, ao reduzir a verba municipal destinada aos desfiles, o prefeito Marcelo Crivella (PRB), do Rio, irritou os organizadores dos blocos ao publicar, em janeiro, portaria com exigências consideradas descabidas para a festa tradicional.
Além de exigir que os blocos tenham maqueiros, ambulâncias, atendimento médico e até notas fiscais de extintores, o documento estabelece uma mudança fundamental: em vez de apenas comunicar os desfiles à Polícia Militar, como de costume, os blocos tiveram de obter autorização da PM. Alguns batalhões concederam os documentos e outros negaram – e blocos estão desfilando mesmo assim. A falta de padrão revoltou organizadores, que chegaram a fazer um protesto na quinta-feira, 28.
Diante da dificuldade para cumprir as exigências, os blocos cogitaram desfilar sem autorização do poder público. Em meio à desorganização, os desfiles autorizados pela prefeitura passaram de 608, em 2018, para 498 este ano – queda de 18%. Bispo licenciado e sobrinho do fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, Crivella é acusado pelos foliões de tentar atrapalhar o Carnaval, que, com o Réveillon, é o principal evento municipal. A igreja condena a folia e orienta os fiéis a não participarem.
Desorganização
A suposta má vontade de Crivella com o Carnaval não é a única razão da estagnação desses desfiles no Rio. Os blocos reconquistaram popularidade durante a década de 2000 e chegaram ao auge em 2015. Para os líderes, a desorganização do poder público é o principal empecilho – e já existia antes de Crivella ser prefeito.
“Os blocos cresceram e passaram a precisar da estrutura do Município e do Estado, mas nunca existiram regras sobre procedimentos e responsabilidades. As normas mudam, surgem outras, e os blocos ficam sujeitos a isso”, diz Rodrigo Rezende, presidente da Liga dos Amigos do Zé Pereira, uma das duas principais associações de blocos cariocas.
O Ministério Público e órgãos municipais e estaduais firmaram um protocolo de intenções para o Carnaval de rua. O objetivo do grupo é padronizar regras de organização, mas isso só será tentado ao longo de 2019.
Veja a programação deste domingo, 3, nas duas cidades
São Paulo
Explode Coração homenageia Maria Bethânia e a Tropicália. A concentração ocorre a partir das 11h, na Praça da República, no centro da capital.
Bloco Bastardo anima os foliões ao som de marchinha. Tem concentração a partir das 14h na Rua João Moura, 727, em Pinheiros, zona oeste.
Ritaleena faz tributo à cantora Rita Lee na Rua Borges de Figueiredo, 400, na Mooca, zona leste, a partir das 14h.
Gente Miúda é a atração com músicas infantis ao ritmo de carnaval. A concentração ocorre desde às 10h na Avenida Professor Alfonso Bovero, 546, em Perdizes, zona oeste.
Madalena sai às 14h, na Avenida Faria Lima, zona oeste, ao som de música baiana.
Rio
Cordão do Boitatá arrasta multidões desde 1996. Neste ano, tem início a partir das 10h, no Largo do Paço.
Bangalafumenga traz uma bateria poderosa a partir das 10h no Monumento aos Pracinhas.
Toca Rauuul! faz releituras de clássicos de Raul Seixas, a partir das 14h, na Praça Tiradentes.
Badalo de Santa Teresa faz festa desde 1972 no bairro e hoje se concentra na Rua Monte Alegre, 318, centro, às 15h.