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Ciclo decadente da mineração vai gerar mais tragédias, indica estudo

Segundo pesquisador, depois do boom do preço das commodities entre 2000 e 2010, setor tem negligenciado a segurança para manter os mesmos ganhos do passado

Por Eduardo Geraque
Atualizado em 26 fev 2019, 17h33 - Publicado em 26 fev 2019, 16h41

“É igual terremoto. Não é uma questão de se (ocorrerão novos rompimentos de barragem), mas quando, e onde”, afirma David Chambers, geólogo do Centro de Ciência em Participação Pública, nos Estados Unidos, que há décadas investiga colapsos de barreiras pelo mundo. Ele é coautor do estudo In the Dark Shadow of the Supercycle Tailings Failure Risk & Public Liability Reach All Time Highs (em tradução livre Na Sombra do Risco de Falha em Barragens de Rejeito durante o Superciclo Econômico & A Responsabilidade Pública Alcança o mais Alto Nível), publicado em 2017. Embasado em análises estatísticas, em bancos de dados internacionais e pareceres das grandes consultorias de mineração do mundo até 2015, Chambers afirma que são esperados trinta grandes tragédias em barragens pelo mundo entre 2016 e 2025.

A raiz do problema, segundo as correlações publicadas pelo cientista, não é técnica. A grande causa de existirem várias estruturas de rejeitos de mineração inseguras é econômica. “As falhas são impulsionadas pela economia, porque o custo é o principal responsável pelo projeto, pela construção, pela operação e pelo fechamento da barragem de rejeitos”, diz. Para o pesquisador, depois do boom do preço das commodities entre 2000 e 2010, onde os preços dos minérios atingiram picos inéditos, o setor tem negligenciado a segurança para manter os mesmos ganhos do passado, que não existem mais. Em 2015, o preço do minério do ferro atingiu o menor valor em dez anos (47 dólares a tonelada). Uma redução de 75% em relação ao preço da tonelada em 2011.

“Em um mercado global, que está sub-regulado, as minas onde as contas não fecham reduzem os custos, cortando sempre que possível, criando áreas marginalmente seguras.” Nestes casos, segundo o pesquisador, qualquer erro torna-se fatal. “Não há apetite dentro da indústria para assumir as reformas de prevenção de danos que não foram feitas mina a mina por várias décadas. A primeira prioridade do setor é a recuperação econômica e a redução da dívida, exigida pelos investidores.”

Os desastres anunciados de Mount Polley, no Canadá, em 2014, e o de Fundão, em Mariana (MG), em 2015, são dois exemplos discutidos pelo estudioso. No caso da América do Norte, houve grandes danos ambientais na região da Colúmbia Britânica. O episódio é o maior desastre ambiental da história do Canadá. Em Minas Gerais, além do impacto no rio Doce, dezenove pessoas perderam a vida. O distrito de Bento Ribeiro foi destruído. Centenas de pessoas ficaram desabrigadas.

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O rompimento da barragem no Canadá, segundo Chambers, é emblemático. “O limite operacional da (barragem) estava sendo empurrado por uma construção mais íngreme do que o originalmente projetado. Quando isso se combinou a um erro de engenharia, a falha na detecção de uma camada de argila glacial sob a barragem, o resultado foi uma falha catastrófica na estrutura.” São características semelhantes às duas graves tragédias no Brasil, tanto a de 2015 quanto a de janeiro deste ano, em Brumadinho (MG).

No Fundão, alterações na estrutura da barragem, para receber mais rejeitos, também contribuíram para o desastre.
“As decisões técnicas e operacionais são levadas aos limites da segurança. De vez em quando, alguém excede involuntariamente este limite e ocorrem as falhas.” No caso de Brumadinho, que ainda está em apuração, informações indicam que a Vale, empresa dona da barragem, não estava com o sistema de monitoramento do local em dia.

A falta de aprendizado com as tragédias da mineração — que ocorrem há muitas décadas, mas ficaram mais frequentes por causa do boom econômico do setor — não é exclusividade dos brasileiros, segundo o estudo assinado por Chambers e Lindsay Bowker. “A indústria e os reguladores de minas do Canadá perderam uma grande oportunidade”. Segundo Chambers, desde que o governo da Colúmbia Britânica aprovou o relatório de Mount Polley, nenhuma das recomendações previstas no documento foram integralmente implementadas. Apenas mais recentemente, depois de muita pressão social, o governo local colocou em prática ações para aumentar a preservação ambiental e diminuir o lobby das mineradoras.

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As entidades do setor, segundo Chambers, não reconhecem que o “superciclo” econômico foi uma época de empurrar com a barriga minas marginais com infraestruturas desvirtuadas do projeto original, como Mount Polley e Mariana.

De acordo com a Vale, empresa responsável pela barragem que ruiu em Brumadinho, o investimento em gestão de barragens cresceu 180% entre 2015 e 2019. Neste período, segundo a mineradora, os recursos usados para gerir os rejeitos da mineração saltaram de 92 milhões de reais para 256 milhões de reais. A mudança na forma de se montar a barragem, para tipos mais seguros, também continua em implementação e vai ser acelerada, segundo a mineradora. Em 2023, 70% da produção da empresa será a seco, ou seja, sem necessidade de barragem de rejeitos.

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Questionada sobre a falta de segurança na escolha da localização do refeitório, que acabou destruído pela lama da barragem, a companhia afirmou que não havia impedimento legal para a construção das estruturas. A empresa não comentou diretamente o estudo internacional, que mostra que a busca pelo lucro do setor acaba negligenciado o investimento em segurança.

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