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Por que armas de crime envolvendo Queiroz e Adriano não foram periciadas

O ofício requerendo a análise dos fuzis usados pela dupla, envolvida em um homicídio na Cidade de Deus, nunca chegou às autoridades

Por Sofia Cerqueira Atualizado em 25 mar 2021, 21h10 - Publicado em 4 out 2020, 13h25

A Polícia Civil já sabe o motivo pelo qual as armas usadas em um homicídio na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, ocorrido há 17 anos, que envolveu o então sargento Fabrício Queiroz – apontado como o operador do esquema de rachadinhas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro – e o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, nunca foram periciadas. Investigações realizadas nos últimos meses, que VEJA teve acesso, apontam para um erro crasso: o ofício de encaminhamento para o Instituto de Criminalística Carlos Éboli dos dois fuzis apreendidos, ambos de calibre 5.56 (M16), inexplicavelmente, foi entregue na época a um dos próprios suspeitos do crime, no caso, Adriano. O que veio a seguir é o previsível: o documento jamais chegou ao seu destino.

A morte do técnico em refrigeração Anderson Rosa de Souza, de 29 anos, durante uma incursão policial cercada de vários fatos ainda a serem esclarecidos, ocorreu quatro anos antes de Queiroz, hoje em prisão domiciliar, se tornar assessor do filho Zero Um do presidente Jair Bolsonaro. O senador e o PM aposentado são investigados por suspeita de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no caso da prática de rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio. Na época do homicídio, Queiroz e Adriano, então 1º tenente, eram lotados no 18º Batalhão, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Adriano, suspeito de envolvimento na morte da vereadora Marielle Franco e acusado de chefiar o Escritório do Crime, grupo de extermínio ligado à milícia, foi morto em janeiro pela polícia na Bahia.

Com uma série de lacunas a serem preenchidas, o homicídio na Cidade de Deus é tratado com atenção pelo Ministério Público do Rio. Depois de solicitar em torno de trinta diligências em março passado e não se satisfazer com o relatório enviado pela polícia, o órgão está cobrando que sejam ouvidas as testemunhas sugeridas e, enfim, se faça a perícia das armas usadas na noite de 15 de maio de 2003. Hoje, os fuzis portados na ocasião por Queiroz e Adriano estão em de posse de dois batalhões, o 23º BPM (Leblon) e o 41º BPM (Irajá). Já se sabe, no entanto, que quase 20 anos, uma das armas está danificada e que provavelmente será difícil fazer uma perícia acurada.

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Vários fatos chamaram a atenção da 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Territorial, que tem à frente o promotor Cláudio Calo Souza. A incursão de Queiroz e Adriano na Cidade de Deus, cujas as investigações nunca foram concluídas, ocorreu durante uma madrugada, entre meia-noite e meia e 1h30, e tinha como argumento, segundo o relato na delegacia, a repressão ao tráfico de drogas. Naquela noite, no entanto, não havia nenhuma operação policial prevista pelo 18º BPM. Na 32ª DP (Taquara), responsável pelo inquérito, o ex-capitão e o então sargento isentaram os outros três PMs que participaram da ação. De acordo com os dois, ao entrar na favela, um grupo de pessoas “supostamente armado” ao avistar a viatura teria efetuado disparos, o que os obrigou a revidar à “injusta agressão”. A dupla registrou na delegacia o caso como um auto de resistência – na versão deles, dispararam para se defender, desde sempre a licença para matar mais usada pela polícia.

O resultado do laudo, no entanto, levanta a suspeita de execução do morador da Cidade de Deus, que não tinha antecedentes criminais e era pai de dois filhos. Anderson Rosa de Souza foi morto com três disparos, os dois primeiros pelas costas – na parte de trás da cabeça e na parte da lombar; o seguinte na região mamária.  “O laudo cadavérico é desfavorável aos investigados”, diz o promotor Cláudio Calo. A questão que fica no ar é: se Queiroz e Adriano estavam trocando tiros com Souza, o suposto traficante, não deveriam ter acertado inicialmente a parte da frente de seu corpo e não as costas? O Ministério Público também questiona o fato de o inquérito, que foi aberto um ano após o homicídio, não ter ouvido em 17 anos nenhum parente da vítima ou testemunha. Há três meses, o programa Fantástico, da TV Globo, localizou a viúva de Souza e ela contou que, soube por testemunhas, que ele foi executado, apesar dos apelos de joelho de seu marido. No inquérito, de acordo com o MP, também chama a atenção a falta de exame pericial de resíduos nas mãos de Souza e o fato de não constar folhas de antecedentes criminais (FAC) dos dois policiais envolvidos.

Seis meses após o episódio na Cidade de Deus, em novembro de 2003, Adriano foi preso em flagrante, acompanhado de outros PMs, pela morte do guardador de carro Leandro dos Santos Silva. Poucos tempo antes, o ex-capitão do Bope, conhecido como exímio atirador, havia recebido moções de louvor de Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio, e de Carlos Bolsonaro, na Câmara dos Vereadores fluminense. Queiroz, por sua vez, tem uma ficha corrida por agressões e suspeita de mortes. Levantamento de Veja identificou mais de vinte boletins de ocorrência e uma dezena de inquéritos envolvendo o suposto operador das rachadinhas – boa parte sem conclusão até hoje. Também na Cidade de Deus, o hoje policial militar aposentado participou de uma incursão, na qual ele e outro policial mataram um suposto traficante, Gênesis Luiz da Silva, de 19 anos, com um tiro nas costas. Novamente o relato na delegacia foi de auto de resistência – mataram para se defender. Neste caso, o Ministério Público também está requerendo o cumprimento de novas diligências. O ex-assessor de Flávio Bolsonaro também foi denunciado, em 2008, pela mulher, Márcia Aguiar, que hoje cumpre prisão domiciliar com ele, por ter sido vítima de vários “socos na cabeça, costelas e braços” desferidos pelo marido. O caso foi registrado na Delegacia da Mulher de Jacarepaguá, mas Márcia acabou desistindo da medida restritiva.

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