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Carta ao Leitor: Vergonha nacional

Há décadas, fome e miséria servem de combustível para a demagogia — e não há no horizonte perspectiva de mudança

Por Da Redação Atualizado em 19 ago 2022, 12h52 - Publicado em 19 ago 2022, 06h00

Em tempos de carros autônomos, inteligência artificial e até de turismo no espaço, a realidade em Serrano do Maranhão parece coisa de outro mundo. O município de 15 000 habitantes é exemplo da tragédia brasileira: mais de 80% da população depende de alguma ajuda do governo para ter o que comer. Na semana passada, havia um clima de euforia entre os moradores da cidade com o início do pagamento do novo Auxílio Brasil, que passou de 400 para 600 reais. Formaram-se filas no posto da Caixa Econômica, na lotérica e nos mercadinhos. Um açougueiro da região, que abatia um boi por dia, comemorava o abate de dois. Com a renda duplicada, ele quitou a dívida na mercearia, que, por sua vez, encomendou uma remessa extra de arroz e feijão para abastecer as gôndolas do negócio. A economia girou — e deve continuar assim pelo menos até o fim do ano, quando está programado o pagamento da última parcela do benefício majorado, cujo valor extra pode ser estendido.

Cenários como o da pequena Serrano serão palco da batalha que pode decidir quem vai ser o próximo presidente da República. Um dos mais antigos problemas estruturais do país, a miséria cresceu nos últimos anos, em movimento que coincide com as crises econômica e sanitária decorrentes da pandemia. No fim de 2021, o número de brasileiros abaixo da linha da pobreza bateu recorde: 23 milhões de pessoas vivendo com menos de 210 reais por mês. A fome passou a atingir 33 milhões de cidadãos. Em segundo lugar nas pesquisas, Jair Bolsonaro lançou recentemente um pacote bilionário de benefícios. De julho para agosto, mais de 2 milhões de famílias foram incluídas no Auxílio Brasil. Agora, são 20,2 milhões de famílias que contam com o apoio federal para mitigar os efeitos da crise. No mundo real, o programa de benefícios é um paliativo, embora necessário, destinado a garantir a sobrevivência dos mais pobres. No universo eleitoral, é uma arma poderosa de que Bolsonaro dispõe para tentar conquistar o voto desses brasileiros, que representam 53% do eleitorado.

Evidentemente, seus adversários sabem do potencial de medidas assistenciais anunciadas às vésperas das eleições. Lula, por exemplo, já declarou que, se eleito, não só dará continuidade ao pagamento do auxílio como estuda ampliá-lo para outras categorias. Ninguém pode ser contra medidas emergenciais, mas o que será feito para transformar a realidade dessas pessoas? Há décadas, fome e miséria servem de combustível para a demagogia — e não há no horizonte perspectiva de mudança. Fora as trivialidades de sempre, os candidatos não apresentaram até agora propostas concretas para dar um fim a essa situação. A julgar pelo desinteresse, o que existe é a defesa da perpetuação de uma vergonha nacional. Em Serrano, na semana passada, a dona de casa Maria de Fátima Coimbra, de 33 anos, estava ansiosa para receber os 600 reais. Na verdade, desesperada. O suprimento da família — ela tem seis filhos — se resumia a caranguejos e um punhado de farinha. “Tem dia que a gente almoça, mas não janta”, contou ao repórter Hugo Marques, que assina a reportagem com início na página 24. Maria de Fátima faz parte da segunda geração do assistencialismo. A mãe dela, hoje aposentada, foi beneficiária do antigo Bolsa Família, o programa criado pelo PT. Se nada for feito para mudar essa dinâmica, que passa por educação e empregos, essa triste realidade provavelmente continuará por mais algumas gerações — e diversas eleições.

Publicado em VEJA de 24 de agosto de 2022, edição nº 2803

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