Superar a barreira de 1 bilhão de reais em receitas por ano representa um marco admirável dentro do capitalismo nacional. Trata-se de um feito possível apenas para companhias com um sólido progresso nos negócios, eficiência na gestão e acerto nos planejamentos. Na política atual, porém, o caminho para alcançar tal marca é bem mais rápido. Esse pote de ouro foi aberto em 2015, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu pelo fim das doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Entre os principais argumentos estavam coibir práticas como o caixa dois, tornar o processo mais transparente, menos corrupto e evitar que a competição fosse desequilibrada pelo peso do dinheiro privado.
Como muitas vezes acontece no Brasil, o que parecia ser um movimento correto e bem-intencionado não erradicou os problemas principais e criou novas distorções. Em 2018, ocorreu o primeiro pleito no país no qual o financiamento dos partidos se fez em quase toda a sua totalidade com dinheiro público, por meio de dois fundos, o eleitoral e o partidário. De lá para cá, esse bolo só vem crescendo e, na prática, transformou o comando de uma legenda num grande negócio. O maior exemplo disso é o Partido Liberal (PL), que cravou um novo recorde em 2024: terá os cofres irrigados por nada menos que 1 bilhão de reais. Sob o comando de Valdemar Costa Neto, e com Jair Bolsonaro como seu grande cabo eleitoral, a sigla usará boa parte dessa verba para multiplicar ainda mais esse capital em eleições futuras. No pleito que acontecerá em outubro, não por acaso a ordem é emplacar o maior número possível de vereadores e prefeitos. Como se sabe, cada um deles ajudará em 2026 a alavancar a candidatura de deputados federais que, uma vez eleitos, serão a base de cálculo para as receitas de cada legenda. É a roda infinita dos bilhões — com o dinheiro do contribuinte.
A bem da verdade, fora os casos em que os candidatos usam esse dinheiro de forma alternativa, não há nada de ilegal nessa dinâmica. Trata-se do mesmo jogo pragmático que dita hoje os rumos de boa parte das outras legendas. O que se torna questionável é a relação entre tal custo e o emprego do dinheiro público, ao menos nessas cifras tão avassaladoras. Será que o PL e todos os demais partidos não deveriam se financiar de outras maneiras? Estudar e copiar o modelo americano de doações não poderia ser uma solução? Por que não estabelecer uma combinação de dinheiro público e privado, sob pesado escrutínio da imprensa e das autoridades reguladoras? São pontos que deveriam ser debatidos em profundidade, mas que hoje passam ao largo de qualquer discussão. A política brasileira atual se alimenta do discurso fácil de ódio, voltado para a inteligência rarefeita das redes sociais, e de bilhões no seu caixa. Em resumo: pobre de ideias e rica de posses.
Publicado em VEJA de 5 de julho de 2024, edição nº 2900