Parece notícia velha, ressecada pelo tempo, como se a imprensa estivesse apenas esticando a corda. Não é, infelizmente. O Brasil tem batido, nas últimas semanas, recordes de eventos climáticos extremos. A estiagem que aflige praticamente todo o país é fenômeno inédito em extensão e intensidade, segundo levantamento realizado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Antes restrita a regiões notoriamente secas, como o Nordeste, a aridez se espalhou e hoje atinge 25 dos 27 estados (somente Rio Grande do Sul e Santa Catarina escaparam). O resultado: perda de lavouras, racionamento de água, destruição de biomas como o Pantanal e incêndios praticamente incontroláveis, responsáveis por cobrir de fuligem tóxica 60% do território nacional, incluindo metrópoles como São Paulo e Brasília, que vêm figurando entre os pontos mais poluídos do planeta.
Para esboçar a dimensão da tragédia ambiental — e iluminar caminhos, que passam pela prevenção, antes da emergência —, VEJA escalou uma equipe para ver de perto os danos. Em São Paulo, a repórter Amanda Péchy viajou ao coração da seca agressiva, que há nove meses devasta os prósperos municípios de Trabiju e Boa Esperança do Sul, no centro do estado, a 280 quilômetros da capital. “As pessoas estão sentindo na pele os efeitos das mudanças climáticas”, diz Amanda. Os profissionais da revista ouviram também moradores dos municípios mais esturricados, segundo levantamento do Cemaden, como Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas, há doze meses sem chuva, e Canápolis, no próspero Triângulo Mineiro, com o solo agora imprestável, depois de dez meses sem uma gota d’água. “São paisagens que estão experimentando situações só vistas antes no semiárido nordestino”, observa o repórter Ernesto Neves.
Não há dúvida, a sequidão é consequência do aquecimento global desencadeado pela ação humana — em muitos casos, movimento difícil de frear. Convém, contudo, trazer uma visão histórica, de modo a compreender que as autoridades, em sucessivos governos, têm parcela de culpa. Nos últimos quarenta anos, 15% das florestas naturais desapareceram. Desde 1985, o Brasil perdeu 6 milhões de hectares de água em formações como rios, lagos e veredas, o que equivale a um terço de toda a água doce disponível. Um naco do Cerrado virou caatinga. Há saída antes do desespero, do ponto de não retorno? Sim. Uma das soluções é investir na regeneração de áreas da Amazônia, sobretudo no sul da floresta, conhecido como Arco do Desmatamento, informam os especialistas entrevistados por VEJA.
É fundamental mudar práticas no campo, banindo o uso do fogo para limpar fazendas, no caso da agropecuária, e punir criminosos que incendeiam propositalmente áreas verdes para grilagem de terras. Se nada for feito, é possível que o Pantanal e um pedaço da Amazônia virem savana até meados do século, aponta o reputado climatologista Carlos Nobre. Há pressa, e os poderosos de plantão precisam correr para aprovar leis mais rigorosas, de olho no controle imediato e no futuro do planeta. O planejamento é fundamental para evitar medidas açodadas como a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que autorizou o governo federal a abrir crédito extraordinário fora das regras da meta fiscal para combater os incêndios. É iniciativa necessária diante de tamanho caos, mas que ilumina a falta de organização e o descuido da atual administração com o tema. Não pode ser assim, na marra e no susto.
Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911