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Carta ao Leitor: A religião dos números

Está na hora de deixar de lado a ultrapassada e pueril crença de que o dinheiro do Estado é infinito

Por Da Redação Atualizado em 8 Maio 2024, 14h03 - Publicado em 3 Maio 2024, 06h00

“A fé e as demonstrações matemáticas são duas coisas inconciliáveis.” A frase, do escritor russo Fiódor Dostoiévski, merecia ser debatida com maior profundidade em Brasília. Especialmente, vale ressaltar, por aqueles com poderes sobre o Orçamento do governo federal — seja na sua execução, seja na elaboração das leis que impactam tal montante. Uma das discussões mais relevantes sobre a economia brasileira, que afeta todos os cidadãos e empresas do país, depende de um conceito básico, mas não capturado no Planalto Central: a União precisa gastar menos do que arrecada. É o famoso “equilíbrio fiscal”, a necessidade vital de que as despesas nas contas públicas sejam menores do que as receitas. Não se trata aqui de um embate filosófico sobre algo intangível. É conclusão lógica e inequívoca de que o descumprimento desse princípio nos levará — mais dia, menos dia — a uma crise financeira de grandes proporções, com a desconfiança quanto ao pagamento das dívidas federais, a paralisação dos investimentos estrangeiros, a disparada do dólar, o aumento da taxa de juros e a queda da renda e do emprego dos trabalhadores.

Parece catastroficamente simples, mas o grande problema para a assimilação desse perigoso cenário está justamente na palavra “fé”. No gabinete do presidente Lula, repete-se — como um dogma religioso — que o gasto federal é o grande propulsor do crescimento econômico. A crendice tem razões históricas. Quando assumiu o governo em 2003, Lula apostou alto nos investimentos feitos pelo governo e… deu certo. Por que então não repetir tal modelo? A questão é que os cenários interno e externo eram completamente diferentes naquele momento. Há vinte anos, o antecessor do petista, Fernando Henrique Cardoso, havia arrumado a casa ao derrotar o grande inimigo da prosperidade brasileira, a inflação. Bases de uma melhor performance da gestão pública também estavam lançadas na administração federal, com destaque para a Secretaria do Tesouro e para o Banco Central. No plano internacional, as crises de confiança nos países se estabilizaram, a China virou uma potência mundial e o preço das commodities internacionais disparou, aumentando a arrecadação brasileira — e permitindo um gasto que, mais tarde, no governo de Dilma Rousseff, viria a cobrar seu preço. Nada disso está posto agora.

Voz isolada na administração federal, para grata surpresa, Fernando Haddad vem batendo heroicamente na tecla da necessidade do equilíbrio fiscal. Infelizmente, o ministro não tem recebido muita ajuda nem de setores que pareciam mais responsáveis com a coisa pública. Está em gestação no Senado Federal um projeto de proporções trágicas para o Orçamento federal: a lei que permite a juízes e promotores um aumento de 5% a cada cinco anos. De autoria do senador Rodrigo Pacheco (um parlamentar de bom senso, mas que desta vez escorregou), o projeto do quinquênio acabou agraciando outras categorias ao longo da tramitação, saindo de um custo inicial de 1,8 bilhão de reais para inacreditáveis 42 bilhões. Se essa bomba nas contas públicas for aprovada, o desastre será inevitável. Mais um, na verdade. Nos escaninhos do Executivo, do Judiciário e do Legislativo, há hoje diversos artefatos que põem em risco as despesas da União. Definitivamente, está na hora de deixar de lado a ultrapassada e pueril crença de que o dinheiro do Estado é infinito. O Brasil precisa que as autoridades públicas do país aprendam a fazer contas.

Publicado em VEJA de 3 de maio de 2024, edição nº 2891

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