A humanidade vive cada vez mais. No Brasil, a expectativa de vida ao nascer é de 75,5 anos, a partir de dados colhidos pelo Censo do IBGE de 2022. No início dos anos 2000, não chegava a 70. Na década de 1950, era de 47 anos. Nos países mais ricos, membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), vive-se em média 80,5 anos, dez a mais do que na década de 1970. É movimento extraordinário, resultado dos avanços da medicina, da expansão da cobertura vacinal e da ampliação dos serviços de saneamento básico. Há evidente preocupação econômica com os gastos previdenciários, que impõem reformas de modo a não quebrar o caixa dos governos, mas celebra-se a capacidade do envelhecimento saudável e, ao menos mentalmente, produtivo.
Contudo, dado o aumento do número de idosos, o desenvolvimento de algum tipo de demência virou problema de saúde pública — não por acaso, acaba de ser sancionada no Brasil uma política inédita de cuidados com a alienação atrelada à idade. Trata-se de iluminar, dentro das famílias, as esperanças de boa convivência com os medos, as dores, os constrangimentos — e, sim, os instantes de bonitas surpresas — no contato com as pessoas queridas que vivem com algum colapso mental. O Alzheimer é a mais conhecida das doenças desse gênero. Em torno delas, na última década, houve notável empenho para diagnosticar as condições de maneira prematura, associado ao desenvolvimento de medicamentos eficazes — mesmo que não tenha despontado, ainda, a sonhada bala de prata, como mostra reportagem da edição.
É hora, de olho nos próximos passos da civilização, de celebrar uma nova etapa de cuidados e compreensão. Nesse caminho, louve-se uma bela imagem que, desde a semana passada, começa a circular pelo mundo. A de Fernanda Montenegro — aos 94 anos de vida bem vivida, ressalve-se — na pele de Eunice Paiva no filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, aplaudidíssimo no Festival de Veneza. A produção, inspirada no livro de Marcelo Rubens Paiva, conta a história de uma família atingida pelo horror da ditadura militar no Brasil e depois mergulhada no Alzheimer desenvolvido pela mãe do autor. De Marcelo, na seção Primeira Pessoa, de VEJA, publicada na semana passada: “Como escritor, tenho o hábito de revisitar o passado. Por toda a história de meu pai, Rubens, sequestrado e assassinado, vejo a memória como um bem precioso. Minha mãe, Eunice (1932-2018), era sua zelosa guardiã. Imagine o baque que foi saber, duas décadas atrás, que ela sofria de Alzheimer, aos 72 anos”. O baque, agora de mãos dadas com a ciência, pode ser menor — embora sempre difícil.
Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2024, edição nº 2909