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Brigas entre vizinhos: o incômodo aumenta na quarentena

Com todos os moradores passando dia e noite dentro dos prédios, o que era simples chateação virou um grande problema

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 7 jun 2020, 11h22 - Publicado em 5 jun 2020, 06h00

Som alto, reformas, crianças correndo, pessoas batendo papo na varanda são situações que sempre incomodaram quem mora em prédio. Mas uma coisa é ter de aguentar o incômodo durante um fim de semana. Outra, muito diferente, é passar o dia inteiro com ele. Prédios, pela própria definição — várias famílias morando sob uma mesma laje, pertinho umas das outras —, foram planejados para gente que sai de manhã e volta à tarde, cortando pela metade a convivência cotidiana. Quando a quarentena imposta pelo novo coronavírus juntou todo mundo em casa 24 horas por dia, sem poder sequer relaxar na piscina e no playground, o que era terreno pacífico (ou quase) virou zona de conflito. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, as reclamações entre vizinhos chegaram a triplicar nos últimos três meses, segundo dados coletados pela Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC) e pela carioca Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi). Para o antropólogo Roberto DaMatta, a agravante maior das irritações é o fato de moradores que antes apenas se esbarravam nos corredores e elevadores agora perceberem ativamente a presença uns dos outros — e os supostos defeitos de parte a parte. “Discordar é uma arte que se pratica aprendendo a conversar com gente que não conhecemos bem”, filosofa.

A grande maioria das queixas registradas pelas administradoras de prédios é, como se sabe, relacionada a barulho em geral e a obras não essenciais em particular. Mais típicas da vida em pandemia são as reclamações de circulação sem máscara em áreas comuns e das aglomerações, na forma de festas e pequenas reuniões. Além dos sapatos no corredor — o hábito de removê-los antes de entrar no apartamento, para não carregar o vírus junto, resulta em fileiras de calçados do lado de fora da porta, para desgosto de muitos. No caso da professora Andrea Muner, de 43 anos, o mote para a discussão com uma vizinha foi ela querer entrar sem máscara no elevador do seu prédio no Parque São Domingos, Zona Norte de São Paulo. “Ela não gostou, mas deixei claro que estava errada e puxei a porta”, conta Andrea, que estava acompanhada da filha de 9 anos. Informado sobre o caso, o síndico implantou multa para quem circular com o rosto descoberto nas quatro torres do condomínio. “Agora todos estão obedecendo, mas é uma pena que precise haver esse desgaste todo”, diz Andrea.

O melhor a fazer para desatar nós entre vizinhos é buscar um acordo na base do diálogo, sem precisar envolver a administração dos edifícios — este um caminho certo para que o perrengue se eternize. Pelo mesmo motivo, chamar a polícia ou autoridades da saúde, só em último caso. “Os conflitos durante a pandemia mudaram. Vemos agora uma série de pequenas irritações que podem ser resolvidas com um ajuste fino”, afirma o advogado especialista em condomínios Márcio Rachkorsky, síndico profissional de mais de 200 condomínios. A vida, que já era dura, complicou ainda mais. A publicitária Raquel Esper, de 29 anos, se mantém quietinha até agora, mas está tendo de se controlar para conciliar o home office com os barulhos de uma obra no prédio vizinho no bairro Funcionários, em Belo Horizonte. “Encontrei algumas soluções próprias, como tampão de ouvido, ouvir música e deixar tarefas que requerem mais concentração para o fim da tarde e noite”, explica, ao resumir o que já virou chavão: o “novo normal”.

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Nem sempre, porém, o jogo de cintura resolve. O som do barulho do cachorro correndo no andar de cima, que nunca atrapalhou, vira tortura quando tem de ser ouvido o dia todo — mas vai convencer a dona do bichinho, praticamente parte da família, a prendê-lo na área de serviço. A administradora de empresas Lara Camargo, de 26 anos, preferiu escrever uma reclamação formal à direção de seu prédio, na Vila Buarque, no centro da capital paulista, quando o vizinho de porta passou a realizar encontros com amigos no apartamento todo fim de semana. “O pior era o risco de ter estranhos circulando nos corredores. Muitos idosos moram aqui. Mas não quis entrar em conflito com pessoas que vejo constantemente”, diz.

A organização de festas e reuniões com convidados é desaconselhada durante a quarentena, para evitar aglomerações desnecessárias. No Guarujá, litoral de São Paulo, caso semelhante foi parar na Justiça e rendeu uma rara sentença de despejo aos responsáveis. Inquilinos de dois apartamentos de um condomínio na Praia da Enseada foram expulsos por promover festas, às vezes com mais de trinta pessoas, e usar áreas sociais interditadas, como a piscina. O caos no Condomínio Golden Sun resultou em quase três meses de reclamações constantes, notificações, aplicação de multas e até mesmo intervenção policial. “Além da música alta, eles gritavam e atacavam os funcionários que repassavam as queixas”, diz Sebastião Saar, vizinho dos encrenqueiros. “Quando as ações contra os inquilinos não funcionaram, o proprietário dos imóveis acabou responsabilizado. “Foi ele quem deu início ao processo”, conta o advogado responsável pela acusação, Caio Mário Fiorini Barbosa. Fica o alerta: nestes tempos de quarentena, em briga de vizinho todo mundo se mete. O melhor mesmo é respirar fundo e evitar.

Publicado em VEJA de 10 de junho de 2020, edição nº 2690

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