Renegada durante toda a campanha de 2018, a reconversão de Jair Bolsonaro à velha política promete ser completa na próxima eleição. O presidente se filiou ao PL, está negociando uma coligação com os outros dois principais partidos do Centrão, PP e Republicanos, e agora quer um marqueteiro profissional para cuidar de sua campanha à reeleição. Ele determinou a seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que prospecte nomes para exercer a função. A ideia é que seja alguém com experiência política, reconhecido no mercado e capaz não apenas de produzir conteúdo de qualidade, mas de aconselhar Bolsonaro e divergir dele quando for necessário. “Não pode ser só um puxa-saco”, diz o Zero Um, que evita empregar o termo marqueteiro, que encerra uma imagem negativa após os escândalos do mensalão e do petrolão, e prefere usar a palavra publicitário. “Em uma reeleição, você tem de mostrar o que você fez, o que você prometeu e cumpriu. E tem de explicar também por que não conseguiu cumprir o que prometeu”, declara Flávio, ciente do tamanho do desafio.
Enfraquecido pela economia e pelos efeitos de seus desatinos políticos, Jair Bolsonaro sabe que a próxima corrida presidencial será dura. Hoje, ele está em segundo lugar nas pesquisas, atrás do ex-presidente Lula (PT), por quem seria derrotado no segundo turno. Não bastasse a desvantagem do ex-capitão nas intenções de voto, a popularidade de seu governo derrete desde o fim do ano passado. A gestão dele é reprovada por metade da população. Usar a propaganda eleitoral na TV e os recursos públicos destinados a financiar campanhas é uma das principais apostas do presidente para reverter esse quadro de impopularidade. Foi por isso que ele abandonou a ideia de se filiar a um partido nanico, aderiu ao PL e agora negocia a formação de uma coligação que reúna a nata do Centrão. Se essa aliança eleitoral for formalizada, Bolsonaro terá tempo na propaganda na TV e recursos dos fundos partidário e eleitoral compatíveis com os de Lula. A disputa se dará, considerando-se esses dois quesitos, em pé de igualdade. Até o fechamento desta edição, a tendência era que o fundo eleitoral, por exemplo, ficasse em cerca de 5 bilhões de reais em 2022. Do total, quase 1 bilhão de reais devem ser destinados a legendas que negociam com Bolsonaro e quase 1 bilhão de reais a siglas que gravitam na órbita petista.
Otimista, o presidente acha que pode desequilibrar a balança financeira liberando recursos do Orçamento da União para políticos aliados, o que tem ocorrido, desde 2019, por meio do chamado orçamento secreto. “Bolsonaro vai recorrer aos ativos tradicionais da política, inclusive o poder da máquina do Estado, com as destinações de Orçamento e as concessões de benefícios, para compensar o desgaste em sua popularidade”, afirma o cientista político Bruno Carazza, autor do livro Dinheiro, Eleições e Poder (clique aqui para comprar). Para Carazza, o modelo de campanha em 2018 — sem estrutura partidária e com prioridade total às redes sociais — só funcionou em razão das circunstâncias daquela época, que envolviam, por exemplo, o descrédito da classe política. Em 2022, as circunstâncias serão bem diferentes. A escolha de um marqueteiro passou a ser considerada fundamental porque Bolsonaro, entre outras coisas, deixou de reinar sozinho nas redes sociais. Pior do que isso: perfis de apoiadores e até vídeos do próprio presidente passaram a ser retirados do ar por motivos diversos, reduzindo o poder de fogo da milícia digital a serviço dele. A propaganda eleitoral na TV será uma forma de tentar compensar isso, seja vendendo as realizações do governo, seja desconstruindo os adversários.
Nem tudo, porém, será na direção da normalidade. Pelo plano traçado até agora, o vereador Carlos Bolsonaro, conhecido pelos exageros digitais, continuará com papel de protagonismo na campanha na internet. Uma de suas prioridades será impedir que o pai perca a espontaneidade ao lutar pelos votos. Em outras arenas, talvez o fator decisivo para Bolsonaro, as cartas serão dadas pelos políticos profissionais. Caciques do Centrão estão palpitando sobre a escolha do marqueteiro, mesmo sabendo que a palavra final será do presidente. Entre os nomes cogitados estão o de Elsinho Mouco, que trabalha com o ex-presidente Michel Temer, e o de Fernando Barros, publicitário conhecido nas rodas de Brasília. Os dois afirmam que não foram procurados oficialmente. “Lula só teve notícias boas até agora, enquanto Bolsonaro sofre uma série de ataques e equívocos na comunicação. Ele tem o que mostrar, mas precisa contratar um profissional. É só ele querer e saber usar outra linguagem que não seja a de quartel”, diz Mouco. Já Fernando Barros destaca que uma campanha presidencial precisa entusiasmar e criar um ambiente de festa: “Você ainda não viu os jovens se manifestando na campanha. Quem está conversando com eles? Poucos. Não se descobriu ainda a linguagem desse canal”. A aprovação ao governo Bolsonaro é de apenas 13% entre quem tem de 16 a 24 anos, segundo o mais recente Datafolha. E sua rejeição chega a 60%. Reverter esse quadro realmente é trabalho para profissionais.
Publicado em VEJA de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770
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