Promoção do Ano: VEJA por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

As razões que fazem o PT ter dificuldade em condenar as ações do Hamas

Lula e aliados protagonizam vexame ao criticar ataques a Israel sem citar o grupo palestino

Por Victoria Bechara, Bruno Caniato Atualizado em 4 jun 2024, 10h20 - Publicado em 13 out 2023, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • POLÊMICA - Padilha e Sayid: ministro recebeu simpatizante do Hamas no Palácio do Planalto cinco dias antes dos ataques
    POLÊMICA - Padilha e Sayid: ministro recebeu simpatizante do Hamas no Palácio do Planalto cinco dias antes dos ataques (Gil Ferreira/Ascom-SRI/.)

    O governo federal foi rápido ao condenar a agressão a Israel, resgatar os brasileiros na região e marcar posição sobre o conflito. Nas primeiras horas após os ataques, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Itamaraty, ministros e aliados divulgaram notas de repúdio ao episódio. Lula se disse chocado com o ocorrido (que classificou de maneira acertada como terrorismo), expressou condolências aos familiares das vítimas e defendeu a existência de dois Estados como solução. Mas um detalhe chamou a atenção: ninguém citou o Hamas, o grupo palestino responsável pelo atentado. A esquerda, no geral, foi na mesma toada. Apesar de reprovar os atos e prestar solidariedade aos dois lados, a nota oficial do PT, assinada pela presidente, Gleisi Hoffmann, também omitiu o nome do personagem central no horror contra os israelenses. A postura gerou uma saraivada de críticas nas redes sociais, deu munição à combalida oposição no Congresso e colocou a esquerda na defensiva. Foi apenas cinco dias após o início dos ataques que Lula, enfim, divulgou texto em que cita a facção e pede a libertação imediata de crianças israelenses feitas reféns. O estrago, no entanto, já era grande.

    Publicidade
    EQUILIBRISTA - Amorim: ex-chanceler tentou justificar o ataque e criticou Israel
    EQUILIBRISTA - Amorim: ex-chanceler tentou justificar o ataque e criticou Israel (Fátima Meira/Futura Press)

    A dificuldade para dar nome aos bois gerou constrangimentos variados ao governo e à esquerda. Um exemplo foi a circulação intensa de um manifesto de apoio ao Hamas, assinado em 2021 por petistas de peso como os hoje ministros Alexandre Padilha e Paulo Pimenta e o deputado Zeca Dirceu, líder do PT na Câmara, além de parlamentares do PSOL, PCdoB e PSB. A carta, com o título “Resistência não é terrorismo”, repudiava o governo britânico que classificara a organização como “fundamentalmente terrorista e antissemita”. Padilha foi às redes para explicar que assinou o documento na pandemia, quando aumentar o tensionamento na região tornaria mais difícil garantir a segurança da população. “Em nenhuma hipótese essa decisão pode ser confundida com apoio a qualquer tipo de violência”, disse. O ministro, no entanto, ficou em outra saia justa após vir à tona o seu encontro com o vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina, Sayid Tenório — autor de posts pró-Hamas na internet —, no Palácio do Planalto, cinco dias antes dos ataques a Israel. Padilha precisou telefonar para o presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), Claudio Lottenberg, deu a sua versão e prometeu participar de um encontro com a comunidade judaica. Já Sayid perdeu o cargo de assessor do deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA).

    Publicidade

    Como já era de se esperar, a oposição usou tudo isso a seu favor. Deputados e senadores protocolaram pedidos de explicações a Padilha sobre o encontro com Sayid e ao ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, por seu silêncio sobre o Hamas. O ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, foi duramente criticado por dizer que o ataque “não é fato isolado” e que Israel “abandonou o processo de paz”. Deputados como Carlos Jordy, Carla Zambelli e Bia Kicis, todos do PL, e até o ex-presidente Jair Bolsonaro tentaram colar no PT a imagem de “amigo” do Hamas. Notícias falsas sobre a relação entre o partido e os terroristas começaram a pipocar na internet. O governo precisou desmentir a informação de que o Brasil teria feito uma doação ao grupo durante o segundo mandato de Lula.

    BANDEIRAS - Ato de grupos de esquerda em Brasília: críticas a Israel e defesa da causa palestina
    BANDEIRAS - Ato de grupos de esquerda em Brasília: críticas a Israel e defesa da causa palestina (Rovena Rosa/Agência Brasil)

    Para além do Palácio do Planalto, a posição dúbia em relação ao Hamas gerou estilhaços a outros atores da esquerda. O deputado Guilherme Boulos (PSOL), pré-candidato à prefeitura de São Paulo, foi criticado por não mencionar o grupo, precisou se reposicionar, mas não evitou uma baixa importante na campanha. Jean Gorinchteyn, judeu e ex-secretário da Saúde no governo de João Doria, foi contratado para construir propostas na área e ajudar a colocar Boulos como um candidato moderado, mas pediu demissão. “Claramente Boulos tem dificuldade por conta de sua base e aqueles que apoiam sua candidatura, mas eu também tenho as minhas bases, que começam pela minha família e pelos meus pares”, disse Gorinchteyn. Bolsonaristas espalharam uma foto antiga em que Boulos aparece ao lado de uma pedra na Cisjordânia com a frase “PSOL com a Palestina”. O deputado diz que sua defesa do povo palestino é pública, reiterou que o Hamas não representa a população local e condenou ataques violentos a civis. “Lamento muito que, num momento trágico como este, setores de extrema direita no Brasil inventem fake news e trabalhem com mentiras com finalidades eleitoreiras”, declarou.

    Publicidade

    Fundado em 1987, o Hamas, apesar de seu histórico violento, venceu as eleições legislativas em 2006, derrotando o movimento rival Fatah. Desde então, controla a Faixa de Gaza. A controversa relação com o PT vem de longa data — ao menos desde 2004, quando o partido condenou o assassinato do xeque Ahmed Yassin, líder espiritual do grupo, como “ato de terrorismo”. Assinada pelo então presidente José Genoino, a nota classifica como “inaceitável que um primeiro-ministro (Ariel Sharon) ordene, supervisione pessoalmente e comemore o ‘êxito’ de uma ação terrorista como essa”. Em 2022, o Hamas parabenizou Lula pela vitória. Gleisi Hoffmann precisou vir a público agora para dizer que nunca recebeu um integrante da organização islâmica desde que assumiu a presidência do PT, em 2017.

    FOTO ANTIGA - Boulos: viagem à Cisjordânia foi usada por bolsonaristas
    FOTO ANTIGA - Boulos: viagem à Cisjordânia foi usada por bolsonaristas (./Reprodução)

    Por trás da relação oblíqua entre o PT e o Hamas, habita uma contradição: o que aproxima uma legenda progressista de um grupo teocrático e ultraconservador, abertamente oposto a pautas como casamento homoafetivo, legalização do aborto e descriminalização de drogas? Para especialistas, o alinhamento ideológico entre as entidades é baseado não nas pautas de economia ou costumes, mas nas antigas ideias de luta anticolonial e resistência a um “neoimperialismo” representado por Israel. “Parte da esquerda brasileira vê na Palestina uma situação de ‘guerra justa’ e teme enfraquecer sua base se o Hamas for condenado tão severamente quanto o regime israelense”, avalia David Magalhães, professor de relações internacionais da PUC-SP. A ideia de antiamericanismo e oposição à direita também contribui para que os dois encontrem terreno comum em suas pautas. “O governo Netanyahu, além de amplamente apoiado pelos EUA, é visto como um regime de extrema direita, o que coloca o Hamas em uma posição favorável aos olhos da esquerda brasileira”, diz Marcus Vinicius de Freitas, professor de relações internacionais na China Foreign Affairs University (CFAU), em Pequim.

    Publicidade
    Continua após a publicidade

    O mesmo raciocínio de oposição à direita e à hegemonia americana se aplica a outras amizades polêmicas, no mínimo, cultivadas pelo governo Lula — como as ditaduras da Venezuela, Cuba e Nicarágua, unidas por uma noção de “solidariedade latino-americana”. Para o PT, manter boas relações com esses governos é essencial, não apenas para fortalecer a base mais à esquerda, mas para garantir o apoio dos vizinhos e dar legitimidade internacional às causas do partido — exemplo foi a reação latino-americana à prisão de Lula. Em 2023, já de volta ao poder, o petista retribuiu os acenos, recuando nas críticas do governo brasileiro à ditadura na Nicarágua e pedindo, em fóruns mundiais, o fim das sanções a Cuba e Venezuela. “Ao justificar que parte dos problemas é resultado dos embargos, Lula omite problemas que são causados pelos regimes desses países”, afirma Vladimir Feijó, professor de direito e comércio exterior na Faculdade Arnaldo Janssen. “A esquerda brasileira tem dificuldade de posicionar o mundo com os olhos do século XXI. Ainda olha com os olhos do século XX, onde esses atores eram todos tidos como uma resistência contra o capitalismo”, opina Leandro Consentino, doutor em ciência política pela USP e professor do Insper.

    Gleisi Hoffmann, presidente do PT
    REAÇÃO - Gleisi: presidente do PT diz que nunca se encontrou com o Hamas (Ichiro Guerra/PT)

    Os atentados do Hamas são mais um carimbo na longa lista de atrocidades, autoritarismos e abusos humanitários para os quais o PT fez vista grossa. As consequências dessa relativização prometem trazer dores de cabeça para Lula e aliados. Durante as próximas campanhas políticas, certamente serão cobrados pela constrangedora situação de terem criticado o terrorismo evitando citar os responsáveis pela barbárie. Um autêntico tiro no pé.

    Publicidade

    Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2023, edição nº 2863

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Veja e Vote.

    A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

    OFERTA
    VEJA E VOTE

    Digital Veja e Vote
    Digital Veja e Vote

    Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

    3 meses por 12,00
    (equivalente a 4,00/mês)

    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

    a partir de 49,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.