Em tempos de polarização e radicalismo, Paulo Gonet, o novo procurador-geral da República, é uma raríssima exceção. Em sua solenidade de posse, na segunda-feira 18, ele reuniu no mesmo auditório o presidente Lula, o presidente do Senado, o presidente da Câmara, o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, além de petistas, bolsonaristas, comunistas, liberais, enfim, representantes de praticamente todo o espectro político. Não é por acaso. O perfil do novo chefe do Ministério Público Federal, de uma maneira geral, agrada a vários segmentos. No primeiro discurso ao assumir o cargo, Gonet pregou a harmonia entre os Poderes, disse que o órgão é corresponsável pela preservação da democracia e que cabe aos seus integrantes evitar a “cacofonia” institucional. O que soou como música para a plateia, no entanto, foi o trecho em que ele deixou claro que não pretende repetir o comportamento de alguns de seus antecessores. “Não buscamos palco nem holofote”, ressaltou, numa referência indireta — e crítica — à Operação Lava-Jato.
Entre as múltiplas atribuições do procurador-geral estão a de investigar e, se for o caso, denunciar o presidente da República, ministros de Estado, deputados e senadores. Por isso, é importante para a classe política como um todo e para o presidente da República em particular ter num cargo tão estratégico alguém que reúna certas características. Gonet é discreto, conservador, avesso a pirotecnias, crítico do ativismo do Ministério Público e, por consequência, dos métodos empregados na Lava-Jato. Ao indicá-lo, Lula levou tudo isso em consideração. O presidente, que ficou preso durante 580 dias, já chamou os procuradores que atuaram no caso dele de “moleques”, “aloprados” e “mafiosos”. Na solenidade, voltou a disparar petardos. “Não existe possibilidade de o Ministério Público achar que todo político é corrupto”, afirmou.
O presidente também disse que não faria nenhum pleito pessoal ao procurador. “A única coisa que eu te peço: não faça o MP se diminuir diante da expectativa de 200 milhões de brasileiros que acreditam nessa instituição”, ressaltou. No caso dos políticos, a expectativa é que Paulo Gonet envie para o arquivo os inquéritos da Lava-Jato que ainda tramitam no STF, nos quais deputados e senadores são acusados de corrupção. Já a expectativa de Lula é que o procurador dê impulso às investigações que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro, especialmente às derivadas da delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Tudo, evidentemente, sem alarde, com discrição, sem pirotecnias.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2023, edição nº 2873