ARTIGO: as lições de Portugal para o Brasil no mercado de cannabis
O que se pode aprender com os acertos e as negligências na regulação para o produto no país europeu

Na semana passada, participei como convidada de uma conferência europeia sobre cannabis em Lisboa. Da porta para dentro, tudo muito sério e profissional. O país tem hoje dezenas de empresas licenciadas para o cultivo e exportação das flores, a parte da planta que contém os caros e desejados princípios ativos, como o canabidiol. Caminhando pelas ruas turísticas das grandes cidades de Portugal encontrei uma variedade de lojas com letreiros em neon verde anunciando produtos com cannabis.
A sensação para o estrangeiro é que está tudo liberado na terrinha.Dentro das lojas os produtos reforçam a cultura canábica. São roupas e acessórios para fumar, mas também cremes e alimentos com óleo de semente de cânhamo na sua composição. Tudo isso com rótulos muito verdes e característicos. O que não deve ser ignorado é que o óleo da semente é uma matéria-prima relativamente barata e que não contém os princípios ativos terapêuticos da planta, como o canabidiol. Decidi entrar numa dessas lojas e pedir um óleo de CBD. O atendente foi para trás do balcão e tirou de dentro de um armário trancado com alguns frascos de um óleo produzido na Espanha. O preço era alto, o produto era irregular e a garantia de qualidade inexistente.
Dentro do salão da conferência todos sabiam que os pacientes em Portugal contam somente com um produto terapêutico vendido em farmácia mediante prescrição médica. Trata-se de uma flor com alto THC – ou tetrahidrocanabinol, famosa molécula psicoativa da planta – pouco prescrita já que os médicos no país não têm recebido a educação para tal.
Já de volta ao aeroporto, vejo na vitrine de uma farmácia o anúncio apelativo que diz: “Uma Dádiva da Natureza. Cannabis. Alta Qualidade. 1000mg de Óleo das Sementes”. Enxerida que sou, entro e descubro que o tal óleo das sementes, sem nenhum princípio ativo, custa caros 65 euros. Apesar do preço alto, o produto é regular — mas os efeitos são provavelmente os mesmos se o paciente tomar algumas gotas de azeite de oliva.
Portugal vem se estabelecendo como um país produtor de cannabis que atende à demanda do mercado europeu com produtos certificados e de grau farmacêutico, tendo como principal importador a Alemanha, onde médicos prescrevem e o governo custeia tratamentos com flores. Por outro lado, os pacientes portugueses estão à margem dos benefícios da planta devido à baixa oferta de produtos regulados, além de raros profissionais prescritores. A pouca informação difundida sobre o tema contribui com um comércio oportunista que confunde o consumidor.
O Brasil parece ocupar uma postura oposta. Temos empresas difundindo informação relevante e responsável sobre o tema para o grande público. O volume de profissionais prescritores cresce junto com a adesão de pacientes, que importam eles próprios ou compram nas farmácias brasileiras produtos importados com princípios ativos. A matéria-prima não pode ser cultivada neste grande país agricultor por falta de legislação que a ampare.
Precisamos analisar a regulação brasileira a partir das soluções que buscamos para o nosso país. Somos uma enorme população que já descobriu na cannabis um tratamento seguro para seus problemas crônicos de saúde. O cultivo de plantas de alto valor agregado é uma oportunidade para o Brasil suprir o consumo nacional e lucrar com as demandas de exportação. Se quisermos, temos todos os componentes para fazer uma regulação de cannabis mais verde do que a dos vizinhos.
*Viviane Sedola é empreendedora de impacto e fala sobre cannabis, tecnologia, startups, políticas públicas e o papel da mulher nesses espaços.