Toda vez que passamos por uma grande crise, temos a oportunidade de olhar para o novo, ver as coisas sob uma óptica diferente e fazer melhor. Desde que cheguei ao Brasil, há doze anos, vindo dos Estados Unidos para ajudar na fundação de uma companhia aérea, acompanhei e vivi de perto altos e baixos da economia, e todas essas reviravoltas foram importantes marcos no fortalecimento dos negócios.
Desde a icônica capa da revista britânica The Economist de 2009, que num retrato bastante oportuno de um dos símbolos nacionais publicou a “decolagem” do Cristo Redentor em referência à crescente e promissora — à época — economia brasileira, até o início de uma nova crise em 2013, que levaria o país, mais uma vez, à prova. Já vi o dólar valer 1,70 real e, agora, com a recente crise do novo coronavírus, testemunhei a moeda americana cotada em mais de 6 reais.
Lamentamos essas oscilações, mas o fato é que tudo isso torna o brasileiro cada vez mais forte e mais resiliente, e não tenho dúvida de que essas ocasiões são a chave para olharmos para a frente e fazermos “do limão uma limonada”. Desta vez, a responsabilidade não é do Brasil. O novo vírus que afetou quase todas as indústrias nacionais, de forma inédita na história recente do mundo, é um problema global.
Sempre falo que as oportunidades aqui são do tamanho do país — e elas são mesmo enormes. Agora, não é diferente. Mesmo com o duro golpe da Covid-19, o Brasil continua sendo um grande ativo por si só, mas subaproveitado. Não dá para entender por que o brasileiro parece não dar o devido valor ao que o país tem de bom. Temos as melhores praias do mundo, pessoas com carisma, talento, criatividade e um jeito acolhedor que só se vê aqui. Como o Brasil não vai dar certo? É claro que vai! E temos de acreditar e trabalhar para isso.
O presidente Donald Trump adora os brasileiros. Sabe por quê? Porque todos os anos eles deixam centenas de milhões de dólares em compras na Flórida. Adquirem seus iPhones, montam o enxoval do bebê, em vez de fazer essas compras no Brasil. Muitos preferem planejar suas viagens para Paris ou Nova York, mas não conhecem Foz do Iguaçu, Recife ou Manaus. Com todo o respeito, isso é uma vergonha, e sou um grande incentivador para mudarmos esse cenário. O Brasil carece dos próprios brasileiros quando o assunto é turismo. As belezas locais estão aqui, o ano todo, à espera de mais turistas.
Meu desejo é que um dos legados desta crise seja uma reconexão das pessoas com o próprio país. O Brasil foi feito para se conectar, não há como ser diferente, seja pelo aspecto geográfico propriamente dito ou até mesmo cultural. Temos nos perguntado se a crise trará mudanças permanentes em relação às viagens e como isso afetará a indústria do turismo de negócios. Eu acredito que sim. Haverá mudanças, algumas reuniões continuarão a ser feitas de forma remota, mas há um limite. Talvez alguns banqueiros da Avenida Faria Lima consigam reduzir as suas viagens na ponte aérea, mas você acha que o empreendedor do agronegócio vai fechar algum grande negócio pelo Zoom? No primeiro contrato perdido porque o seu concorrente visitou seu cliente, e você não o fez e não estava lá para apertar a mão dele, você voltará voando.
Talvez ocorra um encolhimento do número de viagens de modo mais permanente em países desenvolvidos, que são mercados muito mais maduros. Aqui, no Brasil, a quantidade de viagens per capita é ainda muito baixa, e o número de viajantes é menor ainda. No ano passado, foram realizadas pouco mais de 100 milhões de viagens, mas isso não significa que metade dos 200 milhões de brasileiros voa. Muitos CPFs voaram quinze ou vinte vezes no mesmo ano, enquanto milhões de outras pessoas não utilizaram o avião. Certamente ainda veremos muitos estreantes no transporte aéreo. Acreditem, os chilenos, os colombianos e até mesmo os argentinos voam mais que os brasileiros. O Brasil continua sendo um grande potencial.
“Um dos legados da crise do coronavírus pode ser uma reconexão do brasileiro com o próprio país”
Ainda estamos muito atrasados em diversos aspectos, isso é verdade. Mas não dá para ficar chorando. Temos de agir. Estar atrasado é sinônimo de oportunidade à vista. Oportunidade de mudar, de fazer melhor. Imagine quantas cidades mais podem ser conectadas e como isso pode colocar o próprio país em outro patamar. Essa roda precisa girar. Mais conectividade gera mais negócios, que geram mais arrecadação de impostos, e por aí a gente começa a ver mudanças. Há locais na Amazônia, por exemplo, onde as pessoas levam dias e dias de barco para chegar. O mesmo trajeto poderia ser feito em poucas horas de avião. Isso mudaria tudo.
Muita gente me pergunta como dá para ser tão otimista num cenário tão negativo, ainda mais estando inserido numa das indústrias mais desafiadoras do planeta. Realmente, eu teria todos os motivos do mundo para não acreditar que é possível. Especialmente no Brasil, onde ainda falta muito incentivo para essa indústria: por causa da alta carga de impostos, regulações ultrapassadas e deficiências de infraestrutura que temos, o desafio de voar pelos céus do país e de ser rentável é uma tarefa quase impossível. Mas temos de olhar os problemas e seguir em frente para buscar e encontrar as soluções.
Infelizmente o mundo agora continua fechado e os “gringos”, que já vinham pouco ao país, serão visitantes ainda mais raros. Mas o turismo interno já está dando sinais de retorno, talvez volte mais rápido do que se espera, e tem todas as condições para ser muito maior do que um dia já foi. Uma possível vacina contra a Covid-19 é uma alternativa, mas os operadores do setor como um todo, companhias aéreas, hotéis e restaurantes, estão fazendo a lição de casa e se preparando para conviver com o vírus por mais tempo.
Agora é o momento para pensarmos e agirmos firmemente em direção a uma retomada, com toda a atenção, é claro, aos protocolos de saúde. O Brasil precisa voltar a “voar”, literalmente. Quem sabe o Cristo não decola de verdade desta vez?
* John Rodgerson é presidente da Azul Linhas Aéreas
Publicado em VEJA de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704