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Artigo: A inércia é o pior cenário para o Brasil depois da pandemia

"Vamos esperar que as reformas brotem e o ambiente político se ilumine por geração espontânea?", escrevem os economistas Adriano Pires e Pedro Arthur Pedras

Por Adriano Pires* e Pedro Arthur Pedras**
Atualizado em 4 jun 2024, 14h21 - Publicado em 5 jun 2020, 06h00

Em momentos de crise fica mais fácil observar as diferenças dos perfis de nossos famosos economistas e estrategistas que acompanham o cenário econômico do país. Alguns mais tímidos e encabulados, com certa razão, para não arranhar a pintura, preferem seguir receituários mais conservadores e evitam atritos e discussões mais acaloradas. Outros elevam o tom de voz apresentando o bicho-papão de alguns de nossos pares regionais como meio para obter o convencimento de todos quanto a suas crenças e dogmas fundamentalistas. Também há os mais ousados e propensos ao risco que nos oferecem a quebra de paradigmas com propostas milagrosas, que muitas vezes beiram a utopia. Por fim temos os que parecem ser mais equilibrados e acabam pendularmente entre o conservadorismo da ortodoxia fiscal do café da manhã e o auxílio monetário social quando deitam a cabeça no travesseiro. São tantos perfis, mas qual deles está certo? Digamos que o certo e o errado dependem do aqui e agora e que acertos do passado não garantem retorno futuro. Da mesma forma que novos paradigmas podem trazer relevantes contribuições para os inéditos desafios.

Muito se tem falado e escrito sobre o caminho para a retomada econômica do Brasil depois da pandemia. A discussão chega ao ápice quando se especulam cenários sintetizados por alguma letra do alfabeto (V, U, L, W), talvez uma tentativa de simplificação do problema complexo. O fato é que o perfil da recuperação será impactado por uma série de fatores que exigem enorme esforço e coordenação em nível governamental e privado. Existe consenso: precisamos de reformas para reduzir o “custo Brasil”, aproveitando nossas vantagens comparativas a fim de pavimentar o caminho para o desenvolvimento sustentado. A questão é que falta consenso em torno de quais deveriam ser essas reformas, seus conteúdos, formas e, o pior, o timing. Logo, fica difícil saber qual letra representará a retomada da economia brasileira, já que não sabemos se, como, quando e quais reformas serão implementadas. Tudo isso turbinado por um grave confronto político e institucional. Ou seja, não sabemos que modelo queremos para o Brasil.

O excesso de regulação e regulamentação tem inibido o investimento público e privado no setor produtivo, transformando as regras do Estado em uma âncora para o crescimento e o aumento de eficiência e produtividade. Com isso, temos elevadíssimos custos de transação no Brasil, explicitando o oposto do que deveria ser o papel do Estado brasileiro enquanto facilitador do investimento e fertilizante do ambiente de negócios para os empreendedores. Pronto! Temos a justificativa para explicar as restrições ao crescimento: (1) a ausência de reformas; (2) a regulação aplicada; (3) o conflito entre o nós e eles; e (4) a inexistência de um Estado moderno e eficiente. Se não for suficiente, ainda oferecemos a boca torta pelo uso do cachimbo com a simples justificativa do “assim não dá!”.

É consenso falar que o Brasil sofre de um processo de desindustrialização, associado ao enorme déficit em infraestrutura e a uma gigantesca dívida social com os milhões de brasileiros, sendo uma fábrica de trabalhadores informais. O quadro, que já era dramático, tornou-se ainda mais explícito e agravado pela Covid-19. A baixa utilização da capacidade instalada industrial, combalida, pode ser retratada como terra arrasada. Sim, vivemos um pós-guerra! Ao que já era um desafio social, político e econômico foi adicionada uma crise sanitária. Crise essa resolvida no Hemisfério Norte no século XIX em plena peste bubônica. Qualquer saída para o Brasil exige criatividade, desapego a crenças e dogmas e uso das nossas principais vantagens comparativas: potência no agronegócio e potência energética na produção de energia limpa. O meio ambiente está do nosso lado. Resta saber usar essa riqueza.

Com carência monetária, não seria o caso, agora, de rever a proibição de o Banco Central emitir moeda?

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Vamos esperar que as reformas brotem, que o ambiente político institucional se ilumine e que novas regulamentações venham através de uma geração espontânea? Essa inércia deve ser interrompida, e mãos à obra! O Brasil chegou até aqui como oitava economia do mundo e tantos outros feitos. Vamos transformar a crise atual em oportunidade de criar um modelo brasileiro, como o fizeram Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e China.

Diante desse cenário, é preciso parar de reclamar e propor soluções, pôr as alternativas na mesa e partir para o diálogo objetivo. E, nesse sentido, uma questão fundamental que se coloca é o papel do Estado no alívio dos impactos da pandemia e na recuperação da economia.

Pode o Brasil, por meio de emissão do Banco Central, fazer uma expansão monetária temporária e limitada sem lastro contábil e irrigar a economia? Se toda essa emissão virar demanda e for consumida sem gerar pressão inflacionária, dado o nível de ociosidade, teremos alguma catástrofe? E se essa emissão for direcionada para financiar a infraestrutura de saneamento, energia, logística, telecom? E se esses novos ativos em infraestrutura se transformarem em negócios rentáveis a ser concedidos ou autorizados à exploração privada e/ou pública por meio de tarifas reguladas de longo prazo?

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A modernidade contábil nos oferece caminhos para conquistar o lastro e os meios de financiamento do crescimento, se necessário por uma emissão monetária temporária e controlada, para garantir que os investimentos em programas de infraestrutura, saneamento e habitação ocorram, em parceria com a iniciativa privada. Uma subscrição direta do Banco Central de debêntures para financiar um porcentual relevante do programa de concessões e autorizações para a exploração de atividades remuneradas por tarifas reguladas gera estímulo e quebra a inércia da recuperação econômica.

É preciso que o ativo explorado, lastro do financiamento, seja marcado a mercado, trazido a valor presente, ajustado por revisões anuais ou extraordinárias por laudo de avaliação independente, calculando, se necessário, o “impairment” da posição.

Então, se iniciarmos uma obra de infraestrutura que será operada via tarifa definida por período determinado, em regime de autorização ou concessão, monopólio ou não, com as garantias legais e contratuais adequadas, não temos uma proposição “ganha-ganha”?

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Existindo carência monetária, tendo à frente uma oportunidade de construir um ativo para atender a um mercado que demanda certo produto, que reduz custos de produção, operação ou ainda é substituto de insumos mais caros, com viabilidade técnica, econômica e jurídica, não seria necessário rever a proibição do Banco Central de emitir moeda para viabilizar tal atividade?
Não há espaço para aumento de impostos e necessariamente haverá aumento do déficit das contas públicas. A emissão de moeda controlada tendo como contrapartida direitos é uma oportunidade momentânea, podendo ser uma dívida do Estado lastreada em ativos.

Não existe almoço grátis. Sonhar com o investimento direto, estrangeiro ou nacional, para salvar a retomada do Brasil, assumindo todos os riscos do momento atual, terá um preço altíssimo a ser pago pelas próximas gerações. Então, vamos fazer a nossa parte, solidarizando o risco dentro de casa, e com o tempo e resultados teremos sim a possibilidade de criar as condições de contorno para atrair no futuro os investidores em condições mais equilibradas.

Essa é a nossa contribuição ao debate para a construção de um modelo para o Brasil. São ideias que gostaríamos de ver debatidas. E aí vamos para as fases nas quais temos muita dificuldade: a de execução e a da informação de qualidade. Sem elas, ideias como essas e outras acabam se perdendo e continuaremos reféns do binômio perverso de ser um país rico, porém pobre.

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* Adriano Pires, economista, é diretor do CBIE e ** Pedro Arthur Pedras, economista, é diretor da Ponte Nova Energia

Publicado em VEJA de 10 de junho de 2020, edição nº 2690

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