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Arma da morte de Bruno e Dom é símbolo da política belicista de Bolsonaro

Nos primeiros três anos, 255 000 novos certificados de registro para caça foram concedidos, mais que o triplo dos dez anos anteriores

Por Tulio Kruse Atualizado em 4 jun 2024, 11h33 - Publicado em 25 jun 2022, 08h00
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  • No extremo oeste da Amazônia, as mortes do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista Dom Phillips foram seladas por tiros de espingarda. O brasileiro foi atingido por dois disparos na região do tórax e abdômen e outro na cabeça. O repórter britânico foi morto com um tiro no tórax. A perícia atestou que os ferimentos foram feitos por munição calibre 16, tipicamente usada para caça. O duplo assassinato é carregado de simbolismos para a área ambiental e serviu para expor, de forma cruel, o desmonte do Estado e o avanço do crime na Amazônia. Mas funciona também como uma triste alegoria de como uma política pública pode colocar inocentes na mira de armas. Apesar de as leis do país permitirem a caça em circunstâncias muito restritas, nos últimos três anos houve um aumento vertiginoso no registro de armamentos por caçadores.

    A explosão tem relação com o afrouxamento das regras promovido por Jair Bolsonaro (PL). Nos primeiros três anos, 255 000 novos certificados de registro foram concedidos, mais que o triplo dos dez anos anteriores. No entanto, há apenas duas situações em que a caça é autorizada no país. Uma é o abate de javalis, espécie invasora que não tem predadores naturais e cuja reprodução descontrolada pode levar a impactos ecológicos. O governo permitiu a criação de clubes que fazem treinamentos e organizam expedições para abater os animais. A outra é a do caçador de subsistência, que precisa comprovar que depende da atividade para sobreviver.

    CANO DUPLO - Calibre 16: o armamento foi usado em crimes no AM -
    CANO DUPLO – Calibre 16: o armamento foi usado em crimes no AM – (./.)

    Caçadores não foram os únicos beneficiados — atiradores esportivos e colecionadores também ampliaram o arsenal. O número de armas nas mãos dos chamados CACs chegou a quase 800 000 em novembro passado, mais que o dobro das 350 000 que haviam em 2018 (veja o quadro). O salto foi consequência dos vários decretos que ampliaram a possibilidade de posse e porte para cidadãos. O mais recente, de 2021, permite até sessenta armas por atirador esportivo e até trinta para caçadores (inclusive de uso restrito). As armas de uso permitido passaram a ter potência até quatro vezes maior, o que incluiu fuzis como o T4, um equipamento semiautomático capaz de disparar trinta tiros entre uma recarga e outra. Muitos desses decretos estão sendo questionados na Justiça.

    Mas o governo fez mais do que afrouxar regras para se obter armas. Também atuou para dificultar o rastreamento delas. Em 2020, três portarias do Exército criaram dispositivos que permitiam acompanhar praticamente em tempo real a fabricação, a venda e o transporte de armas e munição. No caso de venda ilegal ou uso em crimes, seria possível saber em qual ponto da cadeia de fornecimento houve o desvio. O presidente mandou revogar as normas “por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos”. A medida caiu mais de um ano depois por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

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    arte CAC

    Os colecionadores, atiradores e caçadores já formam um contingente de mais de 600 000 pessoas, maior que o efetivo das Forças Armadas (360 000). Uma quantidade tão grande de indivíduos com permissão para comprar armas é uma ameaça à segurança pública. Nos últimos dois anos, foram noticiados ao menos seis casos de CACs que usavam suas licenças para vender armas a facções. “Antes, o criminoso tinha de ir a outros países para achar um fuzil, que chegava aqui bem caro, na faixa de 40 000 ou 50 000 reais. Agora, se o PCC, o Comando Vermelho ou a milícia recrutarem um ‘laranja’, um só CPF pode comprar trinta fuzis”, diz Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz.

    Enquanto essa política bélica vai avançando e produzindo estragos, o caso Dom e Bruno ainda não chegou ao seu desfecho. O primeiro suspeito preso, Amarildo da Costa Oliveira, mudou a sua versão — após confessar ter atirado nas vítimas, passou a afirmar que só ajudou a ocultar os corpos. Seu irmão, Oseney, continua reafirmando inocência. A PF prendeu um terceiro suspeito, Jeferson da Silva Lima, e trabalha com a hipótese de haver mais cinco envolvidos. Se há dúvidas sobre o crime, o episódio deixou muitas certezas sobre o governo. Bolsonaro deu diversas demonstrações de desrespeito, tentando atribuir às vítimas a culpa pelas mortes, como se a responsabilidade pela segurança da região não fosse dos órgãos federais, cujos aparatos a sua gestão desmontou. O descontrole sobre as armas de fogo, cuja consequência pode ser a morte de inocentes, também está na conta do presidente.

    Publicado em VEJA de 29 de junho de 2022, edição nº 2795

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