Aposta de Lula, Boulos vê sinais de alerta na corrida eleitoral em SP
O candidato levou um choque de realidade com a divulgação das últimas pesquisas, que mostraram um conjunto relevante de problemas no horizonte do psolista
Guilherme Boulos (PSOL) se consolidou como pré-candidato à prefeitura de São Paulo já em maio de 2022, quando abdicou de concorrer ao governo do Estado e lançou-se a deputado federal, em um acordo que garantiu para ele o inédito apoio do PT a um nome de outro partido na maior cidade do país. Com recall de três campanhas (para presidente em 2018, prefeitura em 2020 e deputado em 2022), em que teve votações expressivas, ele saiu na frente logo nas primeiras pesquisas de intenção de voto. Principal aposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da esquerda para a eleição, Boulos segue como favorito para chegar ao segundo turno, mas tomou um choque de realidade com a divulgação das últimas sondagens, que mostraram um conjunto relevante de problemas no horizonte do psolista. Segundo o Datafolha, ele está agora empatado tecnicamente com o prefeito Ricardo Nunes (MDB) — 30% a 29% — e tem a maior rejeição do eleitorado (34%) no momento em que seu maior padrinho político também perde prestígio em São Paulo (veja o quadro).
Boulos era tido como o nome a ser batido já quando Nunes assumiu o cargo, em maio de 2021, com a morte de Bruno Covas. Ex-vereador discreto, o prefeito ainda buscava se tornar mais popular, fincar a sua marca na gestão e se credenciar a uma tentativa de reeleição. Três anos depois, Nunes não só aparece em pé de igualdade com o deputado do PSOL, mas o supera em segmentos estratégicos do eleitorado, como entre os mais pobres (com renda familiar até dois salários mínimos), que representam 40% dos votantes. Também viu a avaliação de sua gestão subir e hoje é tão conhecido do eleitor quanto Boulos (85% a 83%).
O cenário de empate técnico a sete meses da votação confirma a sensação de que o pleito paulistano será altamente polarizado entre os dois favoritos, com fortes emoções reservadas ao longo da campanha. Embora o estafe de Boulos não tenha demonstrado preocupação com o Datafolha, alguns dados merecem atenção. A aprovação de Nunes, por exemplo, vem crescendo à medida que ele se torna mais conhecido. Para o cientista político Alberto Carlos de Almeida, do Instituto Brasilis, a aprovação da gestão é o principal índice a ser considerado numa disputa com candidato à reeleição, porque o eleitor avalia se quer permanecer com o governo vigente ou mudar. Almeida lembra que essa avaliação cresceu 12 pontos percentuais desde abril de 2022, mas precisa crescer mais 11 para deixá-lo em condição privilegiada. “Para que o prefeito se torne franco favorito, ele precisa de 40% de ótimo/bom ou mais”, pontua — Nunes tem hoje 29%.
A estratégia de Boulos passa por impedir que essa melhora continue. A campanha já iniciou ofensiva para aumentar a rejeição do prefeito, como um programa em suas redes sociais para noticiar problemas da cidade e irregularidades da administração. A ideia é colar a imagem de que o crescimento de Nunes se dá pelo uso ostensivo e irregular da máquina pública. Segundo a campanha da esquerda, foram mais de 200 milhões de reais gastos em publicidade, além de quase 5 bilhões de reais em obras sem licitação nos últimos dois anos. Em paralelo, o comitê tentará diminuir a rejeição do próprio Boulos. A avaliação é que houve ao menos um apontamento positivo no Datafolha: a intenção de voto espontânea nele cresceu de 8% em agosto para 14% agora. “Isso mostra a solidez da candidatura”, afirma o marqueteiro de Boulos, Lula Guimarães.
Outra estratégia é mirar o eleitorado mais pobre, que hoje está majoritariamente com Nunes. Para isso, a campanha conta com ajuda do PT, partido que tem muito mais capilaridade na periferia. O anúncio da ex-prefeita Marta Suplicy (PT) como vice, no fim de janeiro, não teve impacto até agora — Boulos tem praticamente o mesmo percentual de votos que tinha em agosto (32% a 30%). Mas é certo que o petismo mergulhará na campanha, até porque Lula já deixou claro que vai se empenhar pessoalmente pela vitória de Boulos. “Houve um estranhamento inicial porque queríamos que o PT tivesse candidato, mas essa questão já está superada e estaremos com força total”, anuncia o deputado estadual Ênio Tatto.
Enquanto sorri com os ventos favoráveis, Nunes também prepara a sua estratégia. Um dos pontos é não forçar a polarização nacional que Boulos e a esquerda tanto desejam. Enquanto a campanha adversária tenta ligá-lo a Bolsonaro, chamando-o de apoiador de golpista por ter ido ao ato convocado pelo ex-presidente na Avenida Paulista, Nunes tenta colar em Boulos a imagem de radical, invasor de terras e apoiador de extremistas como o Hamas — mas sempre ataca o candidato e nunca mira em Lula. Com o bolsonarismo, o desafio é caminhar no fio da navalha, já que o mesmo Datafolha mostrou que a maioria não o liga ao ex-presidente e 63% disse que não votaria em um nome indicado por Bolsonaro. A difícil missão é conquistar o voto de quem é bolsonarista, mas não ser identificado como tal para o eleitor que rejeita o ex-presidente.
Um ponto que conta a favor do prefeito é que as eleições municipais, historicamente, tendem a não ser nacionalizadas. Pesquisas mostram que o eleitor tenderá a se guiar por questões que atingem seu bairro e seu cotidiano. Por isso, Nunes aposta nas entregas de obras como unidades de saúde, creches, parques e recapeamento asfáltico. “A população começa a perceber que não é esse o debate que ela quer”, declarou, em vídeo distribuído a aliados em comemoração aos resultados da pesquisa. Para mostrar o que faz, o prefeito também tem outro trunfo: ele deve ter mais de 60% do tempo de rádio e TV e a maior fatia dos fundos partidário e eleitoral.
A eleição, claro, ainda está longe. Em sete meses, muita coisa pode mudar no humor do eleitor e até na configuração do páreo. Em terceiro lugar, com 8%, Tabata Amaral (PSB) aposta na saturação do ambiente polarizado para ganhar terreno. “Isso gera forte desgaste e é aí que o eleitor pode se interessar em ouvir o que ela tem a dizer”, diz o marqueteiro de sua campanha, Pablo Nobel. Para ele, a alta taxa de desconhecimento (47% não a conhecem) aliada à baixa rejeição (19%) dão a Tabata um caminho para crescer. No início do ano, circulou nos bastidores a informação de que Lula planejava atuar para tirá-la da disputa. Apoiada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, Tabata não dá sinais de desistir. Mais difícil é a vida do deputado Kim Kataguiri (União Brasil), que tem 4% e cuja candidatura é fortemente ameaçada pela intenção de seu partido em apoiar Nunes.
A eleição paulistana sempre foi a mais importante do país, dado o peso da cidade e o tamanho do seu orçamento (o quarto maior do país, atrás apenas da União e dos estados de São Paulo e Minas Gerais). Agora, as atenções devem ser ainda maiores em razão do apoio de Lula e Bolsonaro aos dois favoritos. Boulos carrega nos ombros a missão de levar a esquerda de volta aos tempos de glória nas eleições municipais. Enquanto isso, uma vitória de Nunes representaria não apenas um triunfo do ex-presidente: seria também uma demonstração de força do governador paulista Tarcísio de Freitas, outro cabo eleitoral importante do atual prefeito. A disputa está equilibrada, como mostram as últimas pesquisas, mas o viés de alta de Nunes inegavelmente acendeu o sinal vermelho na campanha adversária.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2024, edição nº 2884