A tempestade antidemocrática que varreu Brasília em 8 de janeiro deixou sob escombros as sedes dos Três Poderes, mas teve um efeito colateral positivo: provocou a reação firme, inequívoca e unida dos chefes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Esperava-se, assim, uma era de mais harmonia institucional, em contraposição ao indesejável período de turbulência dos anos Bolsonaro. Mas não foi bem o que ocorreu. Um certo desconforto começou a surgir no segundo semestre, quando a agenda progressista, tocada pela presidente do STF, Rosa Weber, em seus últimos dias no cargo, trouxe ao debate temas polêmicos como a descriminalização do aborto e da maconha. A pauta gerou de imediato a mobilização conservadora, mas o tempo mostrou que o mal-estar ia além da oposição ideológica — havia uma insatisfação de parte da classe política com o que considerava intromissão em prerrogativas do Legislativo. O incômodo foi verbalizado pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e ganhou corpo com o avanço de uma pauta que mira o Supremo.
Em outubro, uma emenda constitucional que restringia decisões monocráticas de ministros foi aprovada em 42 segundos na CCJ do Senado — e gerou forte reação de membros da Corte. Pacheco respondeu dizendo que a Casa cumprira o seu papel e sugeriu que não pararia ali. Há, de fato, mais três emendas tramitando que, entre outros pontos, impõem mandatos aos ministros. No encerramento do ano, o Congresso arrastou Lula para a crise ao derrubar os vetos do presidente à lei que fixou marco temporal para terras indígenas, que havia sido uma resposta legislativa à decisão do STF que julgara inconstitucional o tema — o imbróglio deve levar o caso novamente ao Supremo e alimentar a roda-viva dos atritos. Enquanto isso, o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, que começou sua gestão acenando à paz, encerrou o ano conduzindo um julgamento que concluiu que o Legislativo foi omisso por 35 anos ao não regular a licença-paternidade e ainda deu dezoito meses para que fizesse o seu trabalho. Para 2024, é provável que voltem ainda à pauta da Corte temas como aborto e maconha. Nada indica, portanto, que o embate esteja perto de terminar.
Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2023, edição nº 2873