Alguém se habilita?
No país com 13 milhões de desempregados, continua intocada a mamata de alguns privilegiados — que paga até 40.000 reais por um único dia de trabalho no mês
Quando governou o país, o PT aparelhou a máquina pública e distribuiu diversas sinecuras para abrigar a companheirada. É o partido da boquinha, acusavam os adversários, que juravam empunhar a bandeira das nomeações técnicas, da meritocracia e do fim do apadrinhamento político. Alçados ao poder, os emedebistas, outrora fiéis parceiros dos petistas, resolveram mostrar que nem tudo era igual. Às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff, o então vice-presidente Michel Temer, ainda no exercício interino da Presidência, sancionou a chamada Lei das Estatais com a promessa de moralizar as indicações para os conselhos de estatais e companhias de economia mista — cargos de importância relativa, bem remunerados e que sempre serviram para atender, digamos, a interesses variados. “Sem responsabilidade, empresas são destruídas e instituições, corroídas”, disse.
Ao assumir definitivamente o governo, Temer esqueceu-se do próprio discurso. Indicou sua chefe de gabinete, Nara de Deus, para exercer a função de conselheira fiscal do Sesc, a entidade de assistência do comércio, o que garantia a ela um extra mensal de 21.000 reais. O objetivo da medida era simplesmente engordar os vencimentos de Nara. Prestes a deixar o cargo, Temer ainda nomeou seu secretário de Governo, Carlos Marun, para o conselho da Itaipu-Binacional, com jetom de 27,000 reais. Mais uma vez, não foi uma escolha técnica, mas uma recompensa. Deputado licenciado, Marun desistiu de disputar a reeleição para ficar ao lado do então presidente e ajudar a defendê-lo durante a fase derradeira de seu mandato.
Empossado em janeiro, Jair Bolsonaro chegou a ser instado a cancelar a nomeação de Marun. Era o caminho natural, já que o novo presidente fez campanha prometendo privilegiar a meritocracia, mas nada aconteceu. Em pouco mais de três meses, o governo dá sinais de que a prática pode seguir firme e forte. Por lei, cabe ao Executivo indicar representantes para atuar em conselhos de quase 100 estatais e empresas de economia mista, como Petrobras, Banco do Brasil e Correios. Há prepostos do governo também em entidades do chamado Sistema S, como o Sesc e o Senac. Os conselhos são encarregados de fixar a direção de negócios ou fiscalizar se dirigentes andam na linha. A missão requer conhecimento técnico. A remuneração pode alcançar até 40.000 reais, como no caso da Embraer, na qual o governo tem participação. Os jetons são calculados de acordo com a frequência nos encontros dos conselhos, geralmente um por mês em cidades como Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo. Trata-se de uma ocupação dos sonhos, sobretudo num país com 13 milhões de desempregados, que costumam formar filas quilométricas diante das agências que oferecem a chance de obter um salário mensal.
No caso dos conselhos de estatais e do Sistema S, o governo dispõe, direta ou indiretamente, de quase 1.000 vagas para preencher. Algumas delas já ganharam seus afortunados ocupantes. O ministro da Economia, Paulo Guedes, nomeou o secretário especial da reforma da Previdência, Rogério Marinho, para a vaga no conselho do Sesc, a mesma que era ocupada pela ex-chefe de gabinete de Temer. Marinho terá direito a 21.000 reais mensais, enquanto recebe salário bruto de 17.327 reais no Executivo. Crítico ferrenho do Sistema S e do peso da folha salarial do funcionalismo, Guedes também nomeou sua assessora especial Daniella Marques para o conselho do Senac. O jetom é de 21.000 reais ante um salário bruto no ministério de 17.327 reais. Procurados, Marinho e Daniella explicaram que a participação deles nos conselhos tem como propósito corrigir as falhas apontadas pelo ministro no Sistema S.
Mas nem só de conselhos vivem os atuais inquilinos do poder. Floriano Amorim, por exemplo, deixou o cargo de secretário de Comunicação do Palácio do Planalto e foi abrigado numa gerência da EBC, empresa de comunicação do governo. Ganhará algo em torno de 21.000 reais na nova função. Na campanha eleitoral, Bolsonaro chegou a dizer que fecharia a EBC, “a TV do Lula”, considerada pelo então candidato uma daquelas sinecuras usadas para abrigar petistas. Uma vez no governo, Bolsonaro desistiu de encerrar as atividades da empresa. Floriano Amorim cuida de marketing e negócios da EBC.
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2019, edição nº 2630
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