As investigações que resultaram na prisão e condenação Collor começaram em 2014 e tiveram como ponto de partida a 13ª Vara Federal de Curitiba, à época comandada pelo juiz Sergio Moro, responsável pelos processos da Lava-Jato. A operação deteve um doleiro, apreendeu com ele comprovantes de depósitos bancários para o ex-presidente, seguiu o caminho do dinheiro e desvendou o esquema de corrupção — fio de uma meada que enredou dezenas de políticos, partidos e empreiteiros naquele que se transformou no maior escândalo da história. Depois disso, a 13ª Vara não parou mais de produzir surpresas. Descobriu-se que Moro lançou mão de métodos ilegais na condução dos processos, o que provocou uma reviravolta em muitos casos e a anulação de várias condenações. Em fevereiro, o juiz Eduardo Appio, um crítico de Moro e dos métodos da operação, assumiu a Vara, prometendo apurar e corrigir o que havia sido feito de errado. Na segunda-feira 22, ele foi afastado da função.
Segundo o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), Appio teria ameaçado o advogado João Eduardo Barreto Malucelli, sócio do escritório de Sergio Moro. No mês passado, o advogado recebeu a ligação de alguém que se identificou como funcionário da Justiça Federal, citando dados sigilosos do imposto de renda do pai dele, o desembargador Marcelo Malucelli. Desconfiado, o advogado gravou a conversa. A Polícia Federal periciou o material e concluiu que a voz tem grande probabilidade de ser mesmo a do juiz da Lava-Jato. Além disso, descobriu que, pouco antes da ligação, o magistrado consultou um processo em que constavam os dados sigilosos do desembargador citados durante o telefonema. Marcelo Malucelli é responsável por um processo que apura uma infração disciplinar praticada por Appio.
Desde que assumiu a 13ª Vara, o juiz é alvo de questionamentos e insinuações, particularmente a de ter ligações com o PT. O CPF dele apareceu numa lista de doadores da campanha de Lula no ano passado. Appio teria feito uma contribuição de 13 reais ao candidato petista, o que ele nega. Soube-se também que o juiz usava a senha eletrônica “LUL22” para acessar o sistema de computadores da Justiça Federal. A VEJA, ele admitiu que a escolha da senha era um “protesto individual” contra a prisão de Lula. O partido Novo ingressou com duas reclamações disciplinares contra o magistrado, sob o argumento de que ele não estaria apto a julgar ações ligadas ao combate à corrupção por dar indicações públicas de “sua ideologia partidária”. Procurado, o juiz, que tem um prazo de quinze dias para apresentar sua defesa ao TRF4, preferiu não se manifestar.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2023, edição nº 2843