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Adversários, Rui Costa (PT) e ACM Neto (DEM) se unem contra crise

Oponentes históricos na Bahia e de partidos rivais, o governador e o prefeito adotam a civilidade política e atuam juntos na pandemia 

Por Roberta Paduan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 jun 2020, 13h21 - Publicado em 5 jun 2020, 06h00

Quem acompanha a política brasileira sabe que o PT e o DEM são antagonistas históricos. O primeiro é a principal legenda da esquerda no país, enquanto o segundo é uma ramificação democrática com origem na Arena, partido que apoiou a ditadura militar. Na Bahia, a disputa entre as siglas é ferrenha há pelo menos duas décadas. Atualmente, o petista Rui Costa ocupa o palácio do governo, no bairro de Ondina, enquanto Antônio Carlos Magalhães Neto comanda a capital, Salvador. O prefeito, cujo avô governou o estado três vezes e a cidade uma, chegou ao cargo em 2013. Costa assumiu em 2015. Sempre em lados opostos, eles tiveram momentos de duro embate, especialmente no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e na eleição de 2018, quando ACM Neto apoiou Jair Bolsonaro. De março para cá, porém, com a instalação da pandemia do novo coronavírus, os dois estabeleceram uma trégua político-partidária e passaram a trabalhar juntos no combate à doença. “Eles substituíram temporariamente o calendário eleitoral por uma agenda de governança da crise”, afirma o cientista político Cláudio André de Souza, pesquisador da Universidade Federal da Bahia. “Apesar de infelizmente ser uma exce­ção, é o que todo governante republicano deveria fazer: colocar o interesse público acima dos demais.”

Na prática, Costa e ACM Neto passaram a conversar toda semana, enquanto seus secretários de Saúde se falam diariamente para alinhar as medidas de controle da transmissão do vírus. Os dois encamparam a defesa do isolamento social, pedindo à população que ficasse em casa, segundo as regras definidas pela prefeitura e pelo estado. Em cenas antes inimagináveis, fizeram lives juntos, transmitidas pelas redes sociais de ambos, e concederam entrevistas, também juntos, para informar as medidas contra a crise. Ambos começaram a restringir a circulação de pessoas já na segunda semana de março. De comum acordo, decidiram que o estado gerenciaria a distribuição dos leitos clínicos e de UTI tanto de sua rede quanto da municipal. “Essa unificação melhora a qualidade da informação, do planejamento e, consequentemente, do serviço prestado à população, que, na hora da doença, não quer saber se o médico é da prefeitura ou do estado”, afirma Costa. A prefeitura, por sua vez, comprometeu-se a atender em sua rede os pacientes que viessem de outras cidades. A ocupação de leitos municipais e estaduais destinados a pessoas com Covid-19 está em torno de 70% em Salvador, depois de ter batido em 88%.

RESULTADO - Metrô de Salvador: mortalidade menor que a de outras capitais (Mateus Pereira/GovBA/Divulgação)

A capital baiana foi uma das primeiras a suspender aulas e a barrar as operações de bares, restaurantes e shoppings. Nas áreas com grande número de casos, a prefeitura fecha os estabelecimentos por pelo menos sete dias, em ação que envolve agentes municipais e a PM, em acordo com o governo estadual. O mesmo tipo de parceria ocorre no trabalho de distribuição de cestas básicas, medição de temperatura dos moradores e higienização de ruas. Um dos programas mais simbólicos da união dos dois oponentes políticos é o de acolhimento de moradores de baixa renda infectados com o vírus, mas que estão assintomáticos ou com sintomas leves. É destinado a quem mora em residências pequenas e tem dificuldade de se isolar dos demais ocupantes da casa. O governo instalou um alojamento em um parque de exposições para 300 pessoas. Ali, elas podem cumprir quarentena de duas semanas até que deixem de ser transmissoras da doença. Como incentivo para permanecer em isolamento, o internado recebe uma cesta básica e uma bolsa de 500 reais — metade paga pela prefeitura, metade pelo estado —, além de atendimento médico e refeições. No fim de maio, ACM Neto instituiu um feriado de cinco dias para aumentar o isolamento e foi seguido por Costa, que adotou a medida em oito cidades. “As divergências partidárias não podem impedir que a gente trabalhe em conjunto em uma situação de crise”, diz o prefeito. “Transmitimos uma mensagem de maturidade para a população, que sente mais confiança no poder público e passa a respeitar mais as restrições, que não são fáceis.”

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O esforço deu resultados. Segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, Salvador tem 80,9 mortes por Covid-19 em 1 milhão de habitantes, enquanto outras capitais do Nordeste ostentam números bem mais altos, como Recife (400,6) e Fortaleza (564,9) — nos dois casos, as cidades são administradas por aliados políticos dos governadores. Segundo pesquisa do jornal A Tarde, Costa tem a aprovação de 71% dos soteropolitanos e ACM Neto, 76%. “Esta pandemia está revelando quem realmente tem responsabilidade pública”, afirma o cientista político José Álvaro Moisés, coordenador do grupo de pesquisas de qualidade da democracia da Universidade de São Paulo. A trégua na Bahia é um bálsamo em meio à polarização do país e contrasta com o comportamento desastroso de Bolsonaro, que bateu de frente com a maioria dos governadores por rejeitar a política de isolamento social e as orientações da ciência, o que o levou a perder dois ministros da Saúde em menos de um mês. Não por acaso, a parceria baiana transformou os dois adversários em alvo de protestos de bolsonaristas contrários ao isolamento social. Mais sintomático que isso, impossível.

Publicado em VEJA de 10 de junho de 2020, edição nº 2690

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