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A volta por cima do ex-deputado João Paulo Cunha depois do mensalão

O petista decola como advogado, ganha contrato milionário e fatura com decisão da CGU em favor de uma empresa envolvida no petrolão

Por Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h13 - Publicado em 25 ago 2023, 06h00

O petista João Paulo Cunha era, em 2005, uma estrela em ascensão. Metalúrgico, ele estava na reta final de seu mandato como presidente da Câmara dos Deputados quando explodiu o mensalão — um esquema de desvio de dinheiro público que era usado para subornar parlamentares durante o primeiro governo do então presidente Lula. As investigações mostraram que o parlamentar estava envolvido no escândalo de corrupção. Condenado a seis anos e quatro meses de prisão, ele cumpriu pena na penitenciária da Papuda, em Brasília, onde concluiu um curso de direito. Desde que foi libertado, em 2015, o ex-deputado tem procurado se manter distante dos holofotes. Ele chegou a ensaiar um retorno aos palanques de Osasco, sua cidade natal, mas foi aconselhado pelos próprios aliados a permanecer submerso. No ano passado, participou discretamente de alguns eventos ao lado do candidato Lula— todos fechados ao público. Havia o receio de que as cicatrizes do mensalão contaminassem a campanha. Valeu a pena esperar.

Se as pendências políticas ainda não foram resolvidas, a nova carreira do ex-deputado deu um salto com a volta do PT ao poder. Em 2017, após deixar a cadeia, João Paulo abriu um escritório de advocacia em Brasília. As atividades, porém, foram encerradas três anos depois, segundo registro da Receita Federal. Um levantamento feito por VEJA no cadastro dos tribunais do Distrito Federal mostra que o petista atuou em pouquíssimos casos. Pois a situação mudou radicalmente. No mês passado, João Paulo, agora sócio de um escritório com o ex-presidente da OAB, Ophir Cavalcante, foi contratado pela Previ, o fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, um dos maiores da América Latina, dono de um patrimônio superior a 200 bilhões de reais. Os detalhes do acordo são protegidos por cláusula de confidencialidade.

VITÓRIA - CGU: decisão favorável à empreiteira após petista entrar no processo
VITÓRIA - CGU: decisão favorável à empreiteira após petista entrar no processo (CGU/Divulgação)

Contratado sem licitação, o escritório de João Paulo Cunha foi escolhido por notória especialização, decisão tomada depois que a nova diretoria assumiu, em março deste ano. A Previ já explicou em nota que o escritório preencheu todos os requisitos e normas estabelecidas e que os advogados vão atuar “em causas estratégicas”, ações que envolvem demandas que podem chegar a 17 bilhões de reais. Uma pessoa que teve acesso aos contratos diz que os honorários do petista e seus sócios podem chegar a 15 milhões de reais — o que evidentemente se constitui num extraordinário avanço na carreira do ex-deputado, que, anos atrás, teve de fazer vaquinha e contar com a ajuda de amigos para quitar uma multa de 536 000 reais com a Justiça.

VEJA perguntou a Ophir Cavalcante, dono de uma banca conhecida em Brasília, se a presença do ex-deputado na sociedade ajudou o escritório a conquistar o contrato na Previ. “Não diretamente”, respondeu ele. “Tenho uma expertise nessa área desde 1985, sou advogado da Caixa de Previdência do Banco da Amazônia”, acrescentou. E indiretamente? “Seria desarrazoável a gente dizer que não. Digo o seguinte: o determinante não foi isso. Isso abriu portas no sentido de identificar que o escritório teria condições de fazer. E aí a Previ fez uma análise de mercado, etc., e acabou selecionando o nosso escritório”, explica. E aproveitou para defender o colega: “O João demonstrou uma resiliência muito grande, uma obstinação, e trabalhou para conquistar o espaço dele. É muito louvável a postura dele, que, apesar de toda a situação pela qual passou, deu a volta por cima”.

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De fato, uma bela volta por cima. Dois meses antes da Previ, João Paulo já havia mudado de patamar profissional, ao ser contratado pela Iesa, um gigante do setor de óleo e gás. Em 2016, a empresa foi incluída nas investigações da Lava-Jato, acusada de corrupção, declarada inidônea e impedida de assinar contratos com o poder público. Desde então, tentava reverter a decisão. Foram sete anos de uma intensa batalha jurídica. Em março passado, João Paulo foi contratado pela companhia. Menos de 120 dias depois, a Controladoria-Geral da União (CGU) analisou o caso e restaurou a idoneidade. O processo é sigiloso e, por isso, não é possível conhecer os detalhes. “A análise da CGU considera que a omissão da Lei em relação ao término da pena viola direito fundamental previsto na Constituição Federal, que traz a vedação da existência de penas perpétuas. Para sanar essa lacuna, a Controladoria optou pelo uso por analogia da nova lei, que determina o prazo limite de seis anos para a pena de inidoneidade”, diz a decisão que foi publicada no Diário Oficial.

Antes de transferir a causa a João Paulo, a Iesa era defendida pelo escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, um dos mais conceituados de Brasília e que tem como sócio Floriano de Azevedo Marques, atual ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Procurado, o ministro explicou que deixou o processo da Iesa por divergências com o cliente. Com isso, o ex-deputado assumiu também a defesa da empresa em um mandado de segurança que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual ela argumenta que a inidoneidade prolongada lhe provocou um prejuízo gigantesco, já que ela venceu uma licitação para obras de processamento de gás da Petrobras no Rio de Janeiro e foi impedida de assinar o contrato. A decisão da CGU reforça os argumentos que a defesa apresentou ao STF e pode servir de base para que, no futuro, a empresa responsabilize a União por eventuais prejuízos por ter sido classificada como inidônea por mais tempo do que deveria.

Procurado, João Paulo Cunha não quis se pronunciar. A Iesa também não se manifestou sobre o caso. Um advogado que conhece os dois processos — o da CGU e o do Supremo — revela que as cláusulas desse contrato envolvem o recebimento de honorários que podem superar 10 milhões de reais — um impulso e tanto nas finanças do ex-deputado e um verniz no currículo de quem, há até pouco tempo, tinha como cliente mais conhecido a mulher do ex-ministro José Dirceu, também condenado no mensalão, que tem um litígio comercial tramitando num fórum de uma cidade-satélite de Brasília — um caso que não surpreenderia ninguém se tiver sido assumido na modalidade pro bono, condição em que o advogado atua no processo sem cobrar honorários. Os tempos, agora, são outros.

Publicado em VEJA de 25 de agosto de 2023, edição nº 2856

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