A troca de informações dos Estados Unidos com a Colômbia sobre a Odebrecht
Dados da Operação Spoofing mostram que Dallagnol recebeu telefonema e contou sobre repasse informal de dados, na Lava-Jato
O acesso total ao material colhido na Operação Spoofing, concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli a empresas alvos da Lava-Jato, deve trazer à tona novas irregularidades e abusos praticados pela corporação. Trechos de diálogos incluídos na investigação, aos quais VEJA teve acesso, mostram que o então coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, disse a colegas que agentes dos Estados Unidos repassaram, de maneira informal, informações do acordo de leniência firmado pela Odebrecht no Brasil. Tal repasse, feito a autoridades da Colômbia e alheio à cooperação jurídica internacional, teria prejudicado a defesa da corporação no país andino.
Em janeiro deste ano, a construtora conseguiu que Toffoli estendesse os efeitos de uma decisão favorável à holding J&F, detentora da JBS. A medida permitiu que o pagamento das parcelas da multa da Odebrecht, estipuladas no acordo de leniência firmado, fossem suspensas. E concedeu acesso integral às informações colhidas na Operação Spoofing, o que ainda não aconteceu efetivamente. A empresa aguarda os trâmites para conseguir ter em posse o material.
Enquanto isso, novos trechos dos diálogos circulam em outros processos. VEJA traz aqui parte da conversa, que aconteceu em um grupo com os procuradores da Lava-Jato, e que indica irregularidades em um repasse de informações entre Brasil, Estados Unidos e Colômbia.
Na troca de mensagens abaixo, Dallagnol diz ao procurador Roberson Pozzobon que recebeu ligação de agentes americanos, que contaram de um compartilhamento de informações à Colômbia, já que o país era um “excelente parceiro de cooperação”. O então coordenador da Lava-Jato também deixou claro que se tratava de um repasse informal, quando ressalta que “não foi MLAT”. A sigla em inglês significa Mutual Legal Assistance Treaty, ou seja, a cooperação que acontece dentro dos trâmites legais.
“23 Dec 16- 00:03:36 Roberson [Pozzobon] MPF: Valeu, PG! Ótimas considerações. Pelo que os advs [advogados] falaram, ainda não há bloqueio decretado pelo TCU nesse procedimento da REPAR. O TCU teria simplesmente oficiado a ODE [Odebrecht] dizendo sobre o possível bloqueio, mas que ele poderia ser evitado caso ela estivesse contribuindo na leniência sobre os fatos (o que de fato está acontecendo nesse caso). Uma certidão nossa nesse sentido tvz [talvez] seja suficiente para evitar o bloqueio, por ora
01:01:22 Deltan [Dallagnol]: Os americanos me ligaram hoje de noite para dizer que passaram infos informalmente pra Colômbia por ser um excelente parceiro de cooperação (war on drugs [guerra às drogas], certamente), mas ressaltando que não foi MLAT etc… o lado bom é que estão mostrando pudores e cuidado conosco, embora tenham enviado a info. Não podemos contar para a empresa, sob pena de deixarem de nos colocar a par. Vamos ver como evolui. Acho cedo para voltar a pedir algo sobre isso pros americanos, até pelo cuidado que tiveram”
A conversa, datada de 23 de dezembro de 2016, aconteceu dias depois da assinatura do acordo de leniência da Odebrecht. Fontes que eram ligadas à Odebrecht e atuavam na Colômbia relataram, pedindo para não serem identificadas, que esses vazamentos de conhecimento da Lava-Jato foram o gatilho para a expropriação de ativos e investimentos na empresa avaliados em US$ 3 bilhões. E alegam também que isso dificultou que fosse firmado um acordo no país, o que de fato não aconteceu.
A construtora não opera mais na Colômbia e responde a processos, além de ter sido condenada a pagar multas, em meio a um imbróglio judicial que segue vivo. Há indícios ainda de que tal prática teria causado consequências em outros países latinos.
PGR recorre da decisão de Toffoli
Na quarta-feira, 14, procurador-geral da República Paulo Gonet pediu a Toffoli que desfaça a medida que estendeu à Odebrecht os efeitos da decisão que favorece à J&F — ou seja, a suspensão do pagamento da multa, que totaliza cerca de R$ 8,5 milhões, e o acesso integral ao material da Spoofing. Se o magistrado mantiver sua decisão, o recurso pode ir ao plenário da Corte, para a avaliação dos ministros.
“A prática de crimes foi efetivamente reconhecida pela empresa e por seus executivos, em confissões e com entrega de documentos comprobatórios. O que o grupo econômico (a Novonor) pede, afinal, é que seja desobrigado de cumprir as obrigações financeiras a que se comprometeu quando, em troca de benefícios diversos, assinou o acordo de leniência com o Ministério Público Federal na primeira instância no Paraná”, disse Gonet no recurso.