A Rede Sustentabilidade faz do STF instrumento de ação contra o Executivo
O partido, que nasceu como alternativa à política partidária tradicional, usa o plenário para pressionar o governo
A Rede Sustentabilidade nasceu com a esperança de romper a polarização entre PT e PSDB que dominava a política brasileira desde a década de 90. O futuro do partido parecia promissor. Sua principal liderança, a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva, havia conquistado 22 milhões de votos e o terceiro lugar na eleição presidencial de 2014, quando concorreu pelo PSB. Com esse patrimônio amealhado nas urnas, os “sonháticos”, como eram conhecidos os integrantes da sigla, esperavam que Marina fosse ainda mais competitiva em 2018 e desbancasse petistas e tucanos. Deu tudo errado. Ela recebeu pouco mais de 1 milhão de votos e viu Jair Bolsonaro ganhar a disputa, assumindo um papel que, anos antes, a Rede Sustentabilidade projetou para si. Além da derrota, a legenda formou uma bancada diminuta no Congresso, que hoje é composta de três senadores — Randolfe Rodrigues (AP), Fabiano Contarato (ES) e Flávio Arns (PR) — e uma única deputada, Joenia Wapichana (RR), a primeira índia eleita para a Câmara Federal.
A derrocada fez a Rede mudar de planos. Com pouca visibilidade no Legislativo, em decorrência de seu nanismo, o partido passou a adotar um expediente empregado por políticos tradicionais: recorrer sistematicamente ao Judiciário a fim de fazer oposição a Bolsonaro e, assim, manter-se em evidência. A sua tribuna principal não é a do Congresso, mas a do Supremo Tribunal Federal (STF). São de autoria da sigla pelo menos 58 ações que contestam no STF temas de interesse do governo. Uma delas impediu a nomeação de Alexandre Ramagem para chefiar a Polícia Federal. Outra questiona se o senador Flávio Bolsonaro tem direito a foro privilegiado no âmbito da investigação do notório caso da rachadinha. “É um outro jeito de fazer política via judicial. Estar no Jornal Nacional (com as ações) quase toda semana é mérito da Rede”, diz Pedro Ivo de Souza Batista, presidente da legenda, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ou o porta-voz masculino da Rede, conforme seus correligionários.
A Rede tinha a ambição de renovar o jeito de fazer política no Brasil. Seu plano era dialogar com os melhores quadros do país, independentemente de filiação partidária, e adotar um modelo de financiamento oposto àquele dissecado no mensalão e no petrolão. Pouco dinheiro, e dinheiro lícito, seria compensado com grandes ideias e mobilização espontânea. Na origem, a proposta atraiu gente de peso, como o empresário Guilherme Leal, dono da Natura, e Neca Setubal, herdeira do Itaú. O amadorismo do partido, a dificuldade para tomar decisões e os péssimos resultados em 2018 fizeram com que os sonháticos caíssem na realidade. Restou a eles o guichê da Justiça. Com as ações judiciais, a Rede conseguiu suspender a produção e divulgação de um dossiê do Ministério da Justiça que elencou servidores ligados a movimentos antifascistas e, ao lado de outros partidos, obrigou o governo a adotar medidas de proteção a indígenas durante a pandemia de Covid-19. A Rede também contestou no Supremo a possibilidade de o governo lançar uma nota de 200 reais, medida que, segundo o partido, facilitaria a vida de gatunos e a lavagem de dinheiro.
“A ação jurídica é um mecanismo com o qual podemos conseguir resultados e impacto positivo. Ela nos coloca em igualdade com qualquer outro partido”, diz a deputada Joenia Wapichana. Como não superou a chamada cláusula de barreira em 2018, regra que esvazia a atuação partidária de agremiações com desempenho irrisório nas urnas, a Rede não tem acesso à propaganda eleitoral de rádio e TV nem aos recursos do Fundo Partidário. Mas, pela lei, tem direito a uma fatia do fundão eleitoral, a dinheirama pública que banca as campanhas políticas. Em 2020, receberá 20 milhões de reais, contra cerca de 200 milhões de reais do PT e outros 200 milhões do PSL (veja reportagem na pág. 38). Nas eleições municipais, a sigla pretende lançar nove candidatos a prefeito de capitais — o mais conhecido deles é o ex-presidente do Flamengo Eduardo Bandeira de Mello, pré-candidato no Rio. “Mesmo tendo consciência de toda a dificuldade que teríamos, inclusive de uma concorrência desleal com aqueles que têm bilionários fundos partidários, decidimos seguir com a Rede. Não somos uma sigla de aluguel e temos de fazer as coisas artesanalmente”, afirma Marina Silva. O sonho continua, mais na Justiça do que na seara política propriamente dita.
Publicado em VEJA de 2 de setembro de 2020, edição nº 2702