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A pandemia pode apressar o fim dos sacoleiros na Ponte da Amizade

O comércio local contabiliza prejuízos recordes com a Covid-19 e sente a falta do fluxo de brasileiros em busca de mercadorias no Paraguai

Por Denise Paro
Atualizado em 30 out 2020, 09h22 - Publicado em 30 out 2020, 06h00

Para a geração dos millennials, soa quase como uma distopia a história de um país em que milhares de pessoas, a fim de escapar de uma nação muito fechada ao exterior, fugiam para a fronteira sacolejando por mais de um dia dentro de ônibus populares de turismo em busca de um respiro consumista importado na forma de calças Fiorucci, tênis All Star e perfumes Azzaro, entre outros itens. Mas assim era o Brasil dos anos 80, quando se formavam filas quilométricas na Ponte da Amizade, que separa Foz do Iguaçu da Ciudad del Este, no Paraguai. Antes da pandemia, cerca de 4 milhões de pessoas cruzavam por ano a fronteira, número que já era bem menor que o registrado nos tempos áureos. Com a Covid-19, a via de acesso ficou fechada por sete meses, algo inédito na história. O local foi liberado no último dia 15, mas a retomada do movimento vem ocorrendo de forma bastante lenta. Existe o temor de que o lugar nunca mais volte a ser como antes. O advento do coronavírus pode ter representado o golpe de misericórdia em um negócio que já apresentava sinais avançados de decadência.

TRÂNSITO - A via de acesso: 4 milhões de pessoas por ano antes da pandemia – (Christian Rizzi/VEJA)

O fechamento por quase sete meses paralisou o comércio de importados de Ciudad del Este e fez Foz do Iguaçu amargar prejuízos inéditos. Mesmo com a reabertura da Ponte da Amizade, muitos ambulantes e lojas continuam com as portas fechadas. Dos 5 000 pontos de venda em operação por lá, cerca de 30% não voltaram às atividades, de acordo com a Câmara de Comércio de Ciudad del Este. No lado paraguaio, aproximadamente 20 000 trabalhadores com carteira assinada perderam o emprego e outros 40 000 informais foram impactados, incluindo ambulantes, taxistas e mototaxistas. Em Foz, supermercados, lojas e clínicas médicas sentiram a ausência dos clientes paraguaios e o comércio da Vila Portes, bairro nos limites com o Paraguai, registrou uma retração de 30% nas vendas.

Inúmeros fatores mostram que Ciudad del Este pode perder o gigantismo que a levou a ser um dos principais destinos de brasileiros em compras no exterior até a década de 90. O aperto da fiscalização da PF e da Receita Federal nos últimos anos afugentou do circuito muitos sacoleiros. “Existe hoje também a concorrência direta da oferta de importados disponíveis no centro de São Paulo”, diz o economista Wagner Enis, presidente do Centro Empresarial Brasil-­Paraguai (Braspar). Dessa forma, muitos sacoleiros preferem atualmente se abastecer ali a pegar a estrada rumo à fronteira. Outro problema que afeta diretamente o fluxo da Ponte da Amizade é o dólar em alta. A moeda americana batendo na casa dos 6 reais faz o consumidor pensar duas vezes antes de encarar a longa jornada rumo ao país vizinho. “Mas alguns produtos ainda compensam”, diz a mineira Regiane Assis, de 33 anos. Na semana passada, em meio a uma viagem de turismo a Foz do Iguaçu, ela resolveu dar uma esticada até o Paraguai para fazer compras. “Nunca tinha estado na Ciudad del Este e, apesar do problema do câmbio, achei cosméticos com valores bem em conta”, afirma.

PREJUÍZO - Portas fechadas: 30% das lojas ainda não voltaram ao trabalho – (Christian Rizzi/VEJA)

Aprovado pelo Senado em 2012, o projeto de lei que liberou Foz do Iguaçu e 31 cidades brasileiras fronteiriças para operar com free shops virou outra grande ameaça ao movimento da Ponte da Amizade. Antes mesmo de a via ser reaberta, a Cellshop Importados Paraguai, um dos grupos mais fortes do comércio de Ciudad del Este, anunciou a instalação de um ponto de vendas em Foz do Iguaçu em regime de loja franca, no Shopping Catuaí Palladium, em uma área de 2 000 metros quadrados. Será o primeiro endereço da empresa fora do Paraguai e o segundo free shop instalado em Foz.

O comércio de importados de Ciudad del Este surgiu em 1960, mas o impulso veio mesmo justamente após a inauguração da Ponte da Amizade, em 27 de março de 1965. “Historicamente, sempre foi uma economia alimentada mutuamente, de ambos os lados da fronteira”, diz Linda Taiyen, presidente do Conselho de Desenvolvimento Social de Ciudad del Este (Codeleste). Agora, enquanto Foz vive a expectativa da chegada de investimentos de grupos comerciais do Paraguai, o futuro de Ciudad del Este está no escuro. “Dependerá muito do comportamento da taxa de câmbio e do nível de atividade econômica do Brasil”, prevê o economista Luciano Wexell Severo, professor doutor da Universidade Federal da Integração Latino-­Americana (Unila) e coordenador do Observatório da Integração Econômica (Obiesur). Independentemente dessas variáveis, parece certo que jamais voltará a ser a meca de compras do passado. A perspectiva está mais para inspirar uma triste guarânia, com o seguinte título: “Adiós, sacoleiros”.

Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711

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